“Falta talento e sobra tecnologia”, diz Rubén Aguirre sobre a televisão de hoje
“A primeira vez que apareci na televisão, no Canal 10 de Monterrey, me rechaçaram. Mario Quintanilla, o diretor do canal, ao me ver no ar, disse que me via mal: que estava tão grande que nem sequer cabia na tela. É grotesco! Suas mãos parecem luvas de beisebol. Como isso ocorre? Você não serve pata a televisão! Não se dá conta? Veja, vá com o gerente, Juan Garza, e melhor que fique vendendo publicidade”.
As memórias de Rubén Aguirre, o inesquecível Professor Girafales, recentemente editadas no México pela Editora Planeta, são o testemunho de um rechaço que não ficou no não.
Pelo contrário, ainda que o locutor, cronista de touradas, ator e pai de família (teve sete filhos e diz ter plantado mais de mil árvores) nasceu em Saltillo em 15 de junho de 1934, não pôde apagar durante muitos anos o adjetivo de “grotesco”, superou em muito o dito, para se converter, graças ao professor que estava irremediavelmente apaixonado pela Dona Florinda em Chaves, em um comediante de categoria internacional.
Después de Usted é também um livro sobre a história do rádio no México, relato daqueles anos iniciais onde a tecnologia brilhava por sua ausência e tudo o que ia ao ar era fruto exclusivo da criatividade dos locutores.
Entre eles, o mais audaz e sem dúvida engenhoso, Rubén Aguirre, que para matar o aborrecimento quando lhe trabalhava de madrugada, punha-se a inventar radionovelas onde ele fazia todos os sons e vozes.
Estamos em um bonito hotel de Puerto Vallarta. Temos um encontro com o Professor Girafales. Amigos e parentes mandam mensagens com saudações, multiplicando uma expressão eterna: “Tá ta ta tá”, expressão inesquecível que o comediante copiou de um velho professor de escola chamado Wenceslao.
“Era um velhinho que era muito bom professor, muito bom homem, mas que quando lhe fazíamos perder a paciência, saía o ta ta ta tá”, contou Rubén.
Aos 81 anos, Rubén Aguirre conserva o vozeirão. Já não caminha, porque um grave acidente automobilístico lhe afetou a coluna vertebral e sua esposa de toda a vida, Consuelo, ficou sem uma perna.
Foram momentos duros para um homem com alma de viajante e que transita entre a charmosa localidade balneária de Jalisco o inverno de sua vida, rodeado de seus filhos, entre eles Veronica, que o ajudou a revisar e corrigir seu escrito.
No prólogo escrito por Armando Fuentes Aguirre “Catón”, primo de Girafales, destaca-se “sua alegria e sua generosidade”.
Alegre e generoso: efetivamente, se mostra durante a longa entrevista para SinEmbargo, onde entre outras coisas tem bonitas palavras sobre Ramón Valdés, o Seu Madruga, um comediante sem par com quem compartilhou cenários, sonhos e amizade.
Para você, quem é o melhor comediante do México?
Cantinflas, sem dúvida.
Mais que Tin Tan?
Tin Tan era mais completo, cantava, dançava, mas fez também filmes ruins. Bom, claro que Cantinflas fez coisas horríveis ao final de sua carreira. De todos os comediantes atuais, o mais inteligente e que mais gosto é Eugenio Derbez. E das mulheres, Consuelo Duval. Como a admiro, que boa comediante ela é! Atrevo-me a compará-la e a dizer que é superior inclusive a Carol Burnett.
Bons comediantes com roteiros frouxos.
Sim, a verdade é que sim. Não há bons escritores de humor na televisão atual. Ou não há escritores, ou não os pagam, algo passa. A tecnologia cresceu muito, mas o talento não seguiu o mesmo caminho. Repetem novelas que foram sucesso há 30 anos, se uma novela triunfa na Argentina, a trazem ao México, mudam duas ou três coisinhas e a montam aqui. Fazem novas versões para não pensar. Falta talento e sobra tecnologia. Para nós custava muito fazer o Chapolin ficar pequeno em nossa época. Eram horas e horas de trabalho do pobre diretor do programa. Agora, com tanta facilidade, fazem voar os atores, os fazem magros, gordos, das maneiras que querem.
Você diz em seu livro que alguns atores se convertem em monstros sagrados e confundem a ficção com a realidade. Roberto Gómez Bolaños foi um monstro sagrado?
Creio que sim. Creio também que se Roberto tivesse nascido nos Estados Unidos e não no México, que Bob Hope, que nada. Nasceu no México e desgraçadamente aqui os trabalhos de ator sempre são mal pagos e mal difundidos.
Em seu livro, não obstante você se anima a discutir algumas coisas…
Éramos tão amigos que me dava a liberdade de discutir algumas coisas. Se tivesse sido só meu chefe, não teria me atrevido. Por outro lado, cada quem busca os problemas. Nem Edgar Vivar nem eu tivemos problemas alguma vez para usar nossos personagens, por exemplo. Eles (Carlos Villagrán e Maria Antonieta de las Nieves) tiveram algumas questões, não sei se em busca de notoriedade ou de ambição, não sei.
Mas você diz em seu livro que o trabalho é de quem o necessita.
Sim, como diz Neruda em “O Carteiro”: a poesia é de quem a necessita. Assim também é o trabalho. E o personagem, o mesmo, não é de quem o inventa, mas de quem o executa e logo o necessita para trabalhar.
Você foi muito amigo de Roberto Gómez Bolaños, mas foi também da Chiquinha.
E de Carlos Villagrán também. Conheci Maria Antonieta de las Nieves quando era quase uma menina. Logo se casou com um locutor amigo meu e eu fui muito feliz. Cada quem tem seu caráter e ninguém tem a culpa de ser como é. Há muita gente tosca, eu não sou. Minha forma de ser busca o menos possível o conflito e se dar bem com todo mundo.
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A HISTÓRIA DO RÁDIO
– Ei, o que está fazendo de madrugada? Estão falando e perguntando por uma radionovela chamada A Espiga de Teresita. O que é isso, Rubén?
– É uma ideia que me ocorreu para entreter o público e a mim mesmo. É que o turno é difícil, senhor…
– Pois o que está fazendo, siga fazendo. As pessoas estão protestando porque ontem não transmitiu sua “radionovela” (do livro Después de Usted)
Seu livro também é uma espécie de história do rádio mexicano. Deslumbra, por exemplo, sua facilidade para criar radionovelas que logo faziam sucesso…
Aos 28 anos você engole o mundo, minha filha! Nada te detém. Eu tinha uma ânsia tão grande de fazer, de dizer, que me brotavam as ideias por conjunto. Por isso não só fiz “La Espiga de Teresita”, também fiz “Não volto a comer figos”, que teve muito êxito. Nunca escrevi nada, o que eu fazia era improvisar. Uma vez a direção do canal comprou um lote de filmes mudos e me pediram que colocasse voz. Me diverti como louco! Era um mundo em que se podia criar, por isso agora me dá um pouco de tristeza quando em algum dos programas da atualidade, vejo que trabalham o assistente do assistente do assistente. Em nossos tempos éramos três para tudo. Muitas vezes, Chespirito e o resto do elenco terminávamos de pintar uma cenografia. Agora não se aprende nada. Os caras estão tão especializados para uma só coisa, que deixam de aprender outras que são muito úteis para a profissão.
O que mais gosta no rádio?
Que falem. Para escutar música está minha equipe e eu escolho a música que quero escutar. Que estejam dizendo coisas, uma receita de cozinha, o tempo, o que seja, mas que falem, para isso está feito o rádio.
Para você foi fácil graças a essa voz que tem…
(risos) Uns amigos me disseram que tinha boa voz e foi aí que decidi ser locutor. Em meu ofício aprendi algumas coisas muito bonitas como ler bem à primeira vista. Posso pegar um jornal ou um livro, o que for, e lê-lo corrido com as pontuações justas.
Na televisão começou com um rechaço…
Foi muito duro. Iniciar com tanta ilusão e sofrer tanto rechaço, mas conto precisamente para que os jovens saibam que nunca há que ficar com o primeiro não, há que insistir até conseguir o que sonha.
Hoje a televisão e concretamente Televisa é o inimigo público número 1… O que você pensa sobre isso?
Não posso chutar o balde. Recebo uma pensão vitalícia da Televisa que me permite viver dignamente minha velhice. Quando me fizeram assinar o contrato de exclusividade, me incomodei um pouco, sentia que haviam me castrado, perdi muitas oportunidades e algumas muito boas pelo lado econômico por isso, mas agora não me queixo. Mas agradeço. Mas voltando à sua pergunta, em meus tempos, a televisão se fazia com muitas restrições e vejo que agora o governo não se mete. Em meus tempos, havia um tempo determinado para os anúncios, agora não se pode ver a televisão porque os anúncios duram mais que os programas. Por isso agora a televisão é o inimigo, porque não se pode assisti-la.
Foi difícil ser pai de família, ter tantos filhos?
Bom, sempre quis assim. Nos momentos de estresses é difícil, mas minha mulher se lembra muito de um amigo locutor que eu tinha e que sempre manejava uma caminhoneta dessas que diziam “freira” cheia de crianças. E eu costumava dizer a Consuelo: assim quero que seja minha vida, cheia de crianças. Cada um de meus filhos trouxe seu sanduíche debaixo do braço, cada um deles me deu grande satisfação. O mais difícil foi não tanto a alimentação, mas a educação. Me preocupei sempre muito porque foram às melhores escolas, porque foram bem vestidos, isso foi difícil às vezes.
“GIRAFALES SOU EU”
Qual foi o maior encanto do Professor Girafales?
Bom, não posso falar muito, porque parece muito comigo. Girafales sou eu. Somos tão parecidos. Eu também sou vaidoso, presunçoso como ele. Sou sentimental, muito, romântico, não poderia fazer uma grande diferença entre os dois. Por isso não me custou tanto trabalho encarná-lo. Às vezes colocava o chapéu, acendia o charuto e dizia: a trabalhar! Só isso.
Tem o espírito docente como ele?
Não sei, mas professor é uma profissão que gostaria de ter exercido. Gosto de ensinar e o faço com meus filhos e netos, com as pessoas que me rodeiam.
Isso sim, nunca pôde conquistar Dona Florinda.
(risos) Porque assim estava escrito no roteiro! A ideia de Roberto era precisamente que nunca o Professor Girafales pudesse conquistar Dona Florinda. Era um romance outonal e eles se conformavam com uma xícara de café e um ramo de flores, algo que nesses tempos é impossível. O que Roberto quis retratar com esse amor platônico, onde nem um beijo nos demos, muito de vez em quando tocávamos a mão, foi ressaltar valores humanos, imagino.
O que recorda do cenário, das gravações?
Recordo essa sensação de não ir trabalhar, mas me divertir. Ir às gravações do Chaves era uma satisfação muito grande. A dificuldade estava nos roteiros, me custava aprendê-los, nunca fui bom em memorizar. Ramón (Valdés) me dava muita inveja, com um ensaio aprendia tudo.
Como era Ramón Valdés?
Era um ser delicioso. Era o que nos animava sempre. Em tantas viagens, em tantas gravações, sempre havia algum inconveniente. Por exemplo, ficar horas esperando no aeroporto por um avião que atrasava, então ele nos animava com suas piadas. Era um gênio para isso. Um dia o chamaram às 8 da manhã e chegou às 11. Roberto reclamou e ele respondeu: “Veja, campeão, estava pronto para vir, mas minha mulher passou de negligé (um tipo de lingerie) e tive que ficar”. Esse era Ramón Valdés.
O humor de Roberto Gómez Bolaños e a experiência do Chaves são muito criticados no México, mas não assim no resto da América Latina. O que sente que contribuiu pra isso?
Creio que todos os personagens criados por Roberto Gómez Bolaños criaram o primeiro conceito de cultura popular em nosso país. Por outro lado, em todos os países há um Chaves, quer dizer, um menino que não desjejuou. E isso ele soube retratar muito bem. Isso fez com que o público se adonasse do Chaves e do resto dos personagens. Quando começamos com o Chaves, muita gente dizia que era um programa para bobos, para retardados mentais. Como é possível que gente tão grande esteja atuando como crianças? Robert era um homem muito talentoso. Sabia, por exemplo, que no terreno dos super-heróis não podíamos competir com Batman, e por isso criou o Chapolin Colorado, um herói de acordo com nossas possibilidades e que não usava o poder da Kriptonita, mas da Nanicolina.
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Texto: Mónica Maristain, para SinEmbargo. Traduzido por Antonio Felipe
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