O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - CONCLUÍDO

Discuta aqui tudo relacionado aos trabalhos de Chespirito, como Chaves, Chapolin, Chaves em Desenho e Programa Chespirito. Discuta aqui também o trabalho de outros atores, como as séries do Kiko.
Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:43

16º CAPÍTULO: Uma Palavra

Apenas um som já lhe transforma completamente. Pelo menos é isso que aconteceu hoje, quando ouvi algumas coisas que me deixaram emocionado e ao mesmo tempo triste.

Estava em casa, dando comida para a Chiquinha. O que tinha no prato já havia acabado e então, me levantei para pegar mais. Me virei e ouvi um “papá”. Voltei meus olhos para a menina. Ela sorria para mim, apontando seus curtos braços em minha direção. Outra vez, ouvi. “Papá”. Foi incrível! Era a sua primeira palavra! E já falava de mim, seu pai! Desabei em alegria. Peguei-a no colo e comecei a pular com ela.

Mas algo me deixou abatido logo depois. Ouvindo aquele som, passou um filme na minha cabeça. Eu me lembrei de meu pai. Era um homem rude, duro. Nunca tive boas relações com ele.

A lembrança mais antiga de meu pai é de quando eu tinha apenas 5 anos. Ele trabalhava no campo e, quando voltava para casa, sempre era grosso com mamãe, exigindo que ela fizesse a janta. Éramos pobres, mas até que levávamos a vida.
Aos 7 anos, nos mudamos para a cidade grande. O ano era 1930. Tudo era muito difícil. Morávamos em uma pequena casa afastada do centro. Ele arranjou um emprego numa fábrica. Minha mãe apenas ficava em casa. Todos os dias, ele voltava pra casa já berrando. Um dia, ele apareceu bêbado. Mamãe discutiu com ele e vi uma cena que marcou toda a minha vida: ele deu um forte tapa no rosto dela. Foi um tapa tão forte, que a derrubou no chão. Dali em diante, eu prometi a mim mesmo que jamais iria agredir mulher nenhuma, nem que fosse para revidar.

Eu estudei pouco, fiquei dos 8 até os 13 anos na escola. Tive que sair no meio do primário para poder trabalhar. As coisas eram difíceis. Com meu pai sendo demitido de cada emprego que pegava, por sempre arranjar confusão, não me restou outra alternativa.

Certa vez, aos 12 anos, eu comecei a trabalhar num mercado, carregando sacos e caixas de legumes e frutas. Ganhava pouco, mas já ajudava pra comprar comida. Em dado dia, eu passei mal, tive uma indigestão, pouco depois de sair do mercado. Com o dinheiro que tinha, comprei um remedinho, senão ficaria sem poder trabalhar nos outros dias. Quando cheguei em casa, meu pai exigiu o dinheiro. Disse que tinha comprado um remédio, mas que havia sobrado alguma coisa. Ele então me pegou pela orelha, me jogou numa cama, pegou o cinto e começou a me linchar. Fui salvo pelos apelos de mamãe. Ele a culpou por meu nascimento. Fiz mais uma promessa para mim mesmo: seja como for, eu seria um bom pai, quando o fosse.

O inferno de viver com ele só acabou em 1940, quando ele morreu. Aos 55 anos, meu pai não se cuidava. Bebia, fumava...tanto é que acabou ficando com câncer no pulmão. Dois meses depois de descobrirem o tumor, ele faleceu. Uma parte de mim ficou triste. Outra, aliviada.

Pensando nisso tudo, só fico mais seguro de que nunca serei como meu pai. Por mim e pela Chiquinha.
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:44

17º CAPÍTULO: Anos a Fio

Ontem, uma surpresa. Meu primo, Román, veio me fazer uma visita. Ele é filho do meu tio Herrera e o conheço desde os tempos em que ia para sua fazenda, de férias. Hoje, ainda trabalha no campo, cuidando da propriedade de meu tio, já falecido há uns três anos. Cheguei a perguntar por que ele não vem morar aqui na cidade, mas disse-me que prefere o clima do campo.

E as coisas seguem, ao sabor do vento...


(Fevereiro de 1966)

Zenon, o dono da vila, pelo jeito vai indo bem com seus negócios. Já comprou mais algumas coisas aqui pela região. E agora, ele mesmo sai para cobrar os aluguéis. Tudo por que seu assistente estava lhe surrupiando alguns trocados. E por segurança, o velho gordo decidiu ir fazer as cobranças por conta própria. Fazer o quê...

A Florinda continua cada vez mais metida. E como mima aquele filho bochechudo. Quero só ver quando estiver crescido. Vai ser um tormento...

Fico feliz é com Chiquinha. Ela já está correndo pela casa. Quando se mete a correr, ai de mim se parar com sua brincadeira, pois já começa a abrir o berreiro. Aliás, estou pra ver uma menina mais chorona. É todo dia “ué, ué, ué, ué, uéééééé”.


(Outubro de 1966)

Que susto que minha avozinha me deu ontem. Ela chegou aqui em casa ofegante, com dor no peito, dizendo que começou a se sentir mal quando vinha para cá cuidar da Chiquinha. Por sorte, a levei rápido no hospital. O médico disse que ela está com uma crise de angina, mas é só tomar alguns remédios e que logo estará bem.

(Janeiro de 1967)

Outra vez Román veio me visitar. E dessa vez, me trouxe uma surpresa. Uma câmera fotográfica velha. Bom, não é algo que se diga, noooossa, como está velha essa câmera...mas já vi piores. Ele disse que Herrera pediu que me desse esta máquina, com a qual eu talvez fizesse melhor uso. Ele só não me trouxe antes por que ainda não tinha encontrado a coisa, que estava num celeiro.
Talvez isso me sirva pra alguma coisa.


(Agosto de 1967)

Ontem, aconteceu uma coisa interessante comigo...andava pelo centro, quando encontrei Francisco, o obstetra que fez o parto da Chiquinha. Cumprimentei-o, conversamos...ele me perguntou como estavam as coisas, perguntou sobre minha filha...foi uma conversa boa. Ele fez o que pôde para tentar salvar Maribel.

E a Chiquinha já está bem falante. Pergunta sobre tudo, conversa com o seu cachorrinho de pelúcia, o qual não larga nunca...engraçado foi quando ela viu Zenon chegando para cobrar o aluguel e gritou da janela: “papai, olha o barriga!”. Ele ficou meio irritado e meio sem jeito.


(Março de 1968)

Esta cidade está um movimento só. Tudo por causa das Olimpíadas, que vão acontecer aqui, neste ano. E daqui a dois anos, teremos Copa do Mundo!
Quem sabe não é a chance de faturar alguma grana?
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:44

18º CAPÍTULO: Um Bico Olímpico

(Outubro de 1968)

Faz alguns meses, perdi meu emprego de mestre-de-obras, depois que a obra acabou. Desde então, tenho feito vários bicos por aí, pra tentar levar a vida adiante. E nessa semana, começam os Jogos Olímpicos, que este ano, serão realizados aqui no Distrito Federal. E já estou pensando no que fazer. Amanhã, dia da abertura dos jogos, vou sair com a câmera fotográfica, para tirar fotos das pessoas em frente às instalações, caso elas queiram. Com o que tem de turista por aqui, não vai ser tão difícil...

(3 dias depois...)

E até que deu certo tirar fotografias. Consegui levantar uma boa grana em questão de horas. E ainda consegui um ingresso pra ver o jogo da seleção de futebol! Um homem me pediu ajuda para chegar em seu hotel, pois estava perdido. Disse que não poderia ficar na cidade, pois seu filho estava no hospital. Como recompensa por ter lhe ajudado, ele me deu seu ingresso, para a partida entre México e França.

Espero nossos jogadores repitam o bom desempenho de ontem.


(no outro dia...)

É uma pena. Nossa seleção levou uma goleada de 4 a 1 da França. Mas foi muito legal ir ver a partida. É muito bonito o Estádio Azteca. Tinha muita, muita gente no estádio. A derrota foi decepcionante, mas fazer o quê?

Queria ter levado a Chiquinha. Com 4 anos, ela está cada vez mais esperta. Ela fica um bom tempo brincando em casa ou com o Frederico, no pátio. Esse menino, aliás, está cada dia mais mimado. Toda hora fica se mostrando, com seus brinquedinhos caros. Pelo menos ele deixa a minha filha brincar também. E é assim que tem que ser. Paz e harmonia na vizinhança...


(1 semana depois...)

Pelo jeito o tio Herrera não tinha o costume de limpar bem suas coisas. A máquina começou a falhar e então a abri para poder consertar. Quando vi, tinha montes de pó, teias de aranha e até um besouro dentro da câmera. Incrível que ainda tenha funcionado por tantos dias seguidos.
Enfim, câmera arrumada, é hora de sair para trabalhar. Faltam só 5 dias para acabar as Olimpíadas.


(mais alguns dias...)

Enfim, acabaram as Olimpíadas. Até que deu pra faturar uma boa grana com as fotos. Já deu pra garantir o dinheiro do aluguel e mais um pouco. E talvez eu consiga arranjar um bico de carpinteiro nos próximos dias. Não dá pra ficar parado!
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:45

19º CAPÍTULO: A Foto e o Fato

Hoje, aconteceu um fato impressionante. Com o dinheiro que consegui tirando fotografias na Olimpíada, eu paguei o aluguel e, com o que sobrou, decidi comprar um vestido novo para a Chiquinha. Fiz isso. Chegando na vila, a chamei para tirar uma foto no pátio, com seu vestidinho. Ela ficou de costas para a porta da vila, levei a máquina para fora e comecei a ajusta-la. Daí, quando estava tudo pronto, eis que entra uma figura diferente na vila e pára bem em frente à Chiquinha. Ela olhou com curiosidade. E eu não acreditava no que via. Um garoto pequeno, talvez 4 ou 5 anos, com uma roupa surrada, um gorro quase maior que sua cabeça e, no ombro, um cabo de vassoura com uma trouxa na ponta. Mandei ele sair da frente, de início. Mas ele ficou ali, paradão. Fui até ele. Perguntei se ele queria um sanduíche. O menino ficou todo alegre. Mas me lembrei, eu não tinha dinheiro. Ainda não tinha recebido no meu bico de carpinteiro.

- Garoto, qual o seu nome?
- Não sei.
- Não sabe?
- Não.
- Bom, mas...você tem algum apelido, um nome pelo qual lhe chamavam?
- Eu não sei...bom, já me chamaram de Chaves.
- Chaves...interessante. E o que faz aqui na vila? Por que não está com sua mãe?
- Eu não tenho mãe.
- E pai?
- Não.
- Mas, e de onde você veio?
- Não lembro, moço. Eu tava na casa de uma moça, só que ela sumiu...daí eu fiquei com fome, peguei minhas coisinhas e saí...
- Nossa, mãe, que coisa...

Pobre do menino. Não tem mãe, pai, nem sabe direito de onde veio. Eu o levei até minha casa, onde arranjei algo para ele comer. A Chiquinha ficava o tempo todo olhando curiosa para ele. Dei-lhe um pouco de frango que eu tinha na geladeira, mais um pouco de arroz e umas tortillas, e ele devorou tudo bem rápido. Algo me diz que, depois de hoje, essa vila nunca mais será a mesma.
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:45

20º CAPÍTULO: Um Grande Problema

Depois que o menino comeu, dei-lhe um par de sapatos velhos que não usava mais, pois seu par estava todo furado. Resolvido isso, ficou a dúvida: o que fazer com esse garoto?

- Menino, você tem para onde ir?
- Não, moço.
- E a casa de onde você veio, não tem vizinhos, nada...?
- Não. A moça que tomava conta de mim saiu e não voltou.
- Quando que você saiu de lá?
- Hoje.
- E essa senhora sumiu quando?
- No dia antes de ontem.
- Meu Deus, que desgraça...como pode alguém abandonar uma criança assim?
- Papai, papai, ele vai ficar aqui com a gente? – pergunta a Chiquinha.
- Não sei, filhinha, ainda não sei. Vou falar com os vizinhos, ver o que eles podem fazer.

E lá fui falar com a Florinda e a Clotilde. Quem sabe elas me dessem uma luz.

- Ei, Ramón, qual o problema? – pergunta Clotilde
- Bem, é que hoje aconteceu uma coisa.
- O que foi? – pergunta Florinda.
- Um menino apareceu aqui na vila.
- Um pivete desses de rua? Cruzes, e o senhor botou ele pra fora? – fala irritada a Dona Florinda.
- Não, claro que não! Ele estava com muita fome e dei-lhe de comer!
- Mas não seria nada bom ter um moleque desses na nossa vila. Imagine, pode nos roubar, bater nas crianças, passar alguma doença... – indaga a mulher do 14.
- Calma, Dona Florinda, calma. Bem, de onde ele veio, Ramón? – questiona Clotilde.
- Ele me disse que morava numa casa, junto com uma senhora, que simplesmente sumiu do mapa. Ele ficou sozinho por dois dias, até que hoje, de tanta fome, saiu e acabou parando aqui.
- Coitadinho do menino... – suspira Clotilde.
- Ora, mas se isso for um truque para tentar nos levar na conversa e daí nos roubar? – questiona Florinda.
- Florinda, eu acho que a senhora está exagerando. O garoto me parecia sincero.
- Deveríamos leva-lo a um orfanato! – diz a mãe do Quico.
- Vamos falar com ele. – sugestiona Clotilde.

Eles vão de encontro até o menino. Clotilde pergunta:
- Menino, qual o seu nome?
- Não sei.
- Ora, mas como isso?
- Não sei, de verdadinha.
- E como te chamam?
- Chaves.
- Hum...Ok, Chaves. Você tem pai e mãe?
- Não.
- Nenhuma pessoa da família?
- Não.
- Olha, menino – interrompe Florinda – eu acho que teremos que te levar a um orfanato, lá eles vão saber o que fazer.
- Não, não, isso não...- fala com medo o pobre garoto
- Mas como não?
- A moça que cuidava de mim dizia que eu ia prum orfanato...
- Eu acho que é a única solução...
- Hummmhumm...- balbucia o garoto – pipipipipipipipipipipipipipipipi – e assim chora.
- Calma, calma, não chore! – consola Ramón.
- Bem, quem sabe façamos assim: um de nós fica com o Chavinho hoje e amanhã decidiremos o que fazer. Vamos falar com a dona Rosa. O que acham? – fala Clotilde.
- Na minha casa ele não fica! Já me basta cuidar de um, imagine dois! – responde a Florinda.
- Ok, então ele fica aqui – finaliza Ramón.

Pelo menos por hoje, o Chaves fica na minha casa. Amanhã, vamos todos conversar e quem sabe, chegar a um ponto final nessa história.
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:46

21º CAPÍTULO: O Primeiro Dia de Escolinha

A decisão foi unânime: ninguém teria como ficar com o Chaves. Florinda disse que já dá atenção demais ao Frederico e não poderia cuidar de mais um. Eu, a mesma coisa, não tenho como alimentar outra boca dentro de casa. Já a Clotilde até se dispôs a ajudar, mas disse que lhe faltava dinheiro para isso. E a dona Rosa, até disse que poderia ceder um apartamento pequeno que está vago, para o menino. Mas é a mesma coisa: não tem como cuidar de mais um.

E agora? Não poderia deixar o Chaves por aí, na rua, correndo riscos. A solução seria caseira.

Liguei para a minha avó.

E ela atendeu prontamente ao meu pedido, dizendo que adoraria receber o garoto em sua casa, pelo menos por algum tempo. E assim foi. O garoto se mudou agora à tarde para a casa de vovó. Ela mostrou um sorriso de orelha a orelha ao ver o garotinho.

E a vida segue...

(3 dias depois...)

Que emoção! Minha filhinha vai ir à escolinha pela primeira vez! Arranjei vaga para ela em um colégio perto daqui, um local muito bonito. E, que coisa, na mesma escolinha, estudam o filho do Zenon, que já está bem grande – tanto para cima quanto para os lados – o que parece ser algo de família, o Frederico – até me espantei que ela não tenha colocado o moleque em um colégio para gente da “alta” e a Pópis, que é sobrinha da Florinda. Soube que Florinda tem uma irmã, que vive em um local distante da vila.

Quando chegamos, a Chiquinha abriu um berreiro tremendo, dizendo que não queria ficar sozinha...mas não houve jeito. A professora foi bem simpática e conseguiu acalmá-la.

Tomara que ela, pelo menos, consiga ter mais formação do que eu...
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:46

22º CAPÍTULO: O Mestre

Saída da escola. E lá estava eu, à espera de minha filha, no pátio do local. Toca o sinal. Uma manada de pirralhos corre pelo lugar. E da sala 11, surge a Chiquinha. Meio cabisbaixa.

- E então, filhinha, como foi seu primeiro dia de aula?
- Foi legal, papi.
- Você se divertiu?
- Sim. A tia pediu pra gente desenhar...e eu desenhei a nossa casa!
- Que legal, filha! E os coleguinhas?
- São legais também, papi.
- Que bom. Então vamos pra casa.

Já segurava a mão dela, quando surgiu em minha frente uma figura imponente. Aliás, muito imponente. De princípio, só vi aquela cor preta em meus olhos, até pensei que fosse um poste. Mas olhei pra cima e vi o rosto dele. Um homem alto. Muito alto. Tremendamente alto.

- Desculpa, moço, não tinha lhe visto...
- Não precisa se desculpar. Nova aluna no colégio?
- Sim, sim, é minha filha!
- Que coisinha bonitinha! Qual o seu nomezinho, pequenina?, pergunta o homem para a menina.
- Chiquinha!
- Que bonito nome! Espero vê-la em minha classe tão logo ela cresça. Sabe, faço parte do corpo docente desta instituição de ensino.
- Desculpe, mas...poderia repetir, só que na nossa língua?
- Quero dizer que sou professor daqui.
- Ah sim! Desculpe! E qual o seu nome?
- Inocêncio Girafáles. Mas pode me chamar de Prof. Girafáles.
- Muito prazer. Meu nome é Ramón.

Nesse momento, minha filha puxou minha calça e pediu que eu me abaixasse. Ela então disse no meu ouvido:

־ Papi, esse moço parece uma mangueira em pé!
־ Psssit! Não fale assim!

Eis que surge ao meu lado um menino. Frederico.

־ Boa tarde, seu Ramón!
־ Olá, Frederico.
־ Também é seu filho? – pergunta o professor.
־ Não, não! Ele é filho daquela mulher. – diz, apontando para Florinda, que vinha em direção aos quatro.

Foi interessante. Tanto o professor como a Florinda ficaram com uma cara meio esquisita. Fitavam cada um os olhos do outro. Ela então falou:

־ Boa tarde! Qual seu nome?
־ Girafáles.
־ O meu é Florinda. E este é meu filho, Frederico.
־ Oi, moço! – fala o garoto.
־ É um lindo menino. Bem, prezados, já está na minha hora. Tenho que me retirar, pois estou com vários afazeres em atraso.
־ Não quer passar qualquer dia desses em minha casa para tomar uma xícara de café? – perguntou Florinda.
־ Não seria muito incômodo?
־ De maneira alguma! Nos vemos por esses dias, aqui na escola...venha, Frederico, temos que ir... – diz, olhando fixamente para o professor.

Senti um certo clima entre os dois...Mas, preciso ir. Tenho que me encontrar com uma pessoa amanhã. Estou precisando de dinheiro, e acho que esta é a minha única saída.
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:48

23º CAPÍTULO: Nem Todos os Bons Negócios São da China

Não imaginava que teria recorrer a essa pessoa outra vez. Em nosso último encontro, tivemos alguns atritos. Mas o que posso fazer? Preciso de dinheiro. Perdi o emprego que tinha e o pouco que juntei, está acabando. Não posso deixar minha filhinha passando fome. Nem sei ainda o que vou fazer, quais as condições para que eu consiga essa grana, tudo vai depender do que ele vai pedir.

Gastón de La Rivera. É ele quem pode me ajudar agora.


־ Ramón, quem diria que nos veríamos de novo!, disse Gastón
־ Pois é.
־ Bem, e o que conta de novo? Continua casado?
־ Minha mulher morreu.
־ Oh, mas que pena...
־ Mas deu-me uma linda menininha.
־ Que lindo, você agora é pai?
־ Felizmente.
־ Certo...bem, o que lhe trouxe aqui?
־ As pernas!, disse Ramón, rindo.
־ É melhor falar sério, ou irei ressuscitar uma dívida antiga...
־ Ok. Bom, é que...bem...preciso de algum dinheiro.
־ Ahan. E espera que eu lhe ajude?
־ Sim, é que não tenho ninguém mais a recorrer...
־ Mas você tem um grande débito comigo.
־ Eu preciso muito, por favor, diga algo que possa fazer para ganhar algum troco!
־ Certo. Como você bem sabe, eu tenho uma larga área de atuação. Meus negócios não se restringem apenas ao boxe. Atuo com comércio, fornecedores, diversas empresas...
־ Sim.
־ Bom. Justamente hoje receberemos um grande carregamento no terminal rodoviário. Você se acha capaz de fazer um pagamento para os entregadores?
־ Sim, sim!
־ Ótimo. Seu serviço será este, apenas. Pague e depois venha receber, caso tudo dê certo.
־ Não sei como lhe agradecer...
־ Eu é que lhe agradeço.

Tarde da noite, fui para o terminal. No local marcado, duas pessoas estavam lá. Eram seguranças de Gastón. Eu estava com o dinheiro, um monte de grana, que já dava pra comprar o apartamento onde moro e ainda mais uns dois ou três na vila. Logo depois, chegou um caminhão. A ordem de Gastón era: pagar, receber e levar até o depósito dele. Outras duas pessoas, mal-encaradas, desceram do caminhão. Abriram-no e deixaram junto aos meus pés três caixas pesadas. Me pediram o dinheiro. Eu paguei. Eles estavam indo pro caminhão, quando de repente...

־ TODOS PARADOS, COM AS MÃOS PRA CIMA, AGORA! – gritaram vários policiais.

O local estava cercado. Em um segundo, dezenas de policiais apareceram, todos com armas apontadas em nossa direção. Eles partiram pra cima de mim e dos outros quatro. Nos revistaram. Até que um homem, vestindo um terno laranja, veio até mim e perguntou:

- Vamos, fale, onde está o carregamento?, perguntou o homem, que era delegado da chefatura de polícia.
־ Bem, bem, mas o que tá acontecendo?
־ Você sabe, babaca! Abre essa boca! Onde está a mercadoria?
־ É, bem...acho que...que, são essas caixas. – falei, apontado pras caixas.
־ ABRAM!

Abriram. E pra minha surpresa, o que tinha ali? Armas! Isso mesmo, armas! Gastón de La Rivera é contrabandista de armas! E me enfiou nessa saia-justa!

־ Muito bem, muito bem...só você já vai ficar uns 10 anos no xadrez por participar do esquema..., falou o delegado.
־ NÃO! Eu tenho uma filha pra criar, não posso ficar preso!
־ Dane-se. Quem mandou se meter nisso?
־ Mas, mas, eu não sabia...
־ Vocês, bandidos, são complicados...toda vez que são presos, dão essa de criancinhas inocentes...você vai é pra c cadeia!
־ Não, Gastón me disse que...
־ O que você disse?
־ Gastón me disse que...
־ Quem é esse Gastón?
־ É o cara que me mandou aqui.
־ Então é ele o receptador da mercadoria?
־ Sim.
־ Onde ele está? Como podemos encontrá-lo?

No fim das contas, o idiota do Gastón acabou preso. Eu o denunciei. Ele trabalhava recebendo mercadorias do exterior, como armas e outras coisas, e vendia para bandidos mexicanos e dos Estados Unidos. Por sorte, ele acabou confessando que eu era apenas uma vítima nisso tudo. Além de não ir preso, consegui uma boa grana, recompensa pela captura do Gastón e de alguns de seus compradores, que foram descobertos pelo depoimento do gordo.

Só sei que, prefiro dever do que me meter em negócios que parecem ser da China...
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:48

24º CAPÍTULO: A Briga

Férias da escola para as crianças. Neste inverno, só quero saber de arranjar um emprego que não seja ilegal. Nem que seja algo temporário, mas que dê para que eu consiga dinheiro suficiente para pagar o aluguel e nos sustentarmos. Já basta a confusão em que meti, por culpa do Gastón e da minha loucura em me envolver com aquela aberração. De qualquer maneira, emprego sempre tem à disposição. É só saber procurar que você vai achar. E é isso que vou fazer. Hoje, não volto pra casa sem um emprego.

(no mesmo dia, por volta das 17h...)

Estou de volta à vila. E sem emprego. Andei quilômetros, batendo de porta em porta, procurando um bico que fosse em tantos lugares. Mas não consegui nada.

(pouco depois...)

־ Papi, posso ir lá fora brincar com o Frederico?, me perguntou a Chiquinha.
־ Claro, filha!

Lá fora...

־ Oi, Frederico!, diz a Chiquinha
־ Oi, Chiquinha, responde o menino, que está segurando um grande pirulito.
־ Nossa, Frederico, mas que pirulito bonito...
־ Você quer um pedaço?
־ E você vai me dar?
־ Não, diz se você quer que te dou um pedaço...
־ Não, diz primeiro se vai me dar, que daí te digo se quero...
־ Não, não, não, primeiro me diz se você quer.
־ Frederico, sempre você pergunta isso, eu digo sim e você diz “compra”!
־ Pois é...mas eu ia te dar um pedaço...
־ É?
־ Sim!
־ Me dá um pedacinho pequenininho, hein, Frederico lindinho, bonitinho...?
־ COMPRA! Ihihihi...
־ Bobo! Feio! Toma! – ela dá um pisão no garoto.
־ MAMÃEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE!

Florinda chega.

־ O que foi, tesouro?, pergunta a velha.
־ A, a Chiquinha me pisou, ãrrrrrrrrr...
־ Ora, sua menina levada! Seu pai não te dá educação, não?
־ É que eu pedi um pedacinho do pirulito dele, e ele não me deu...
־ Cale-se! Meu filho não tem ficar alimentando a gentalha!
־ Velha feia!
־ O quê? Ora, sua... – ela belisca a Chiquinha

Ramón sai de casa.

- Ei, larga a mão da minha filha! – ordena Ramón.
- Ela bem que mereceu. Alguém tem que dar educação nesse projeto de demônio! Ela pisou no pé do meu menino!
־ Ora, e quem é você pra dizer que educação deve ter minha filha, se fica beliscando-a?
־ Eu pelo menos não sou uma bêbada e vadia, que fica atirada pelos cantos, nem me envolvo com a polícia!
־ Como se atreve?
־ Como se atreve você, a querer me afrontar assim, seu chimpanzé reumático?
־ Ora, cale a sua boca, velha ridícula! Se não trabalho, é por que não me dão emprego!
־ Claro, quem vai querer dar emprego pra um trapo de gente que nem você? É mais conveniente ficar aí, jogado no sofá.
־ Não fale do que não sabe!
־ Claro que sei! Já faz muito tempo que abri meus olhos. Não quero me envolver com gente da sua laia. Meu marido podia ter sido muito leniente com você, mas é por que ele não tinha encarado a realidade de fato! Desde que sua mulher morreu, você deu para beber, vadiar, esmolar...
־ Ora, sua idiota! – ele pega com força os braços de Florinda.
־ Me largue, seu... – ela se desvencilha de Ramón e dá um tabefe na sua cara.
־ Seu idiota! Burro! Chimpanzé reumático! Saia da minha frente! Vamos, tesouro, não torne a se juntar com esta gentalha!
־ Tá bom, mamãe...- Frederico vai com ela até a porta e de lá grita: GENTALHA, GENTALHA!

Muito irritado, Ramón pisa em cima do chapéu, urrando.

־ Vamos, filhinha. Vamos pra casa.
־ Aquela velha fez dodói em você, papi?
־ Não, não, filha. Entra pra dentro...

Que mulherzinha ignorante! Há tempos já estranhava suas atitudes. Estava esnobe demais nos últimos meses. Agora deu pra ficar batendo na filha dos outros! Só sei que, o pouco de estima que ainda tinha por ela, acabou hoje.
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:48

Uma Copa e um Madruga

Entramos em 1969. O tempo passa, a vila continua a mesma, com as mesmas caras, as mesmas crianças...mas, algumas coisas têm acontecido nos últimos tempos. Agora, a Dona Florinda deu pra ficar o tempo todo de cara amarrada comigo. Não olha mais pra minha cara, não me cumprimenta...

Talvez isso seja por que ela anda interessada demais naquele professor da escola, que mais parece um poste telegráfico com chapéu, de tão alto. Volta e meia ele aparece por aqui e daí ele e a Florinda ficam num momento tão meloso...anteontem, apareceu com um ramo de flores. Ela está toda derretida pelo homem-poste.

Já o Chaves deu pra ficar perambulando pela vila. Minha avó não tinha mais como mantê-lo e mandou ele pra cá. Eu disse que também não tinha o que fazer. A dona Rosa é que cedeu um cantinho pra ele ficar. Menos mal.

E o tempo segue...


(abril de 1970)

6 anos desde que aquele dia de perdas e ganhos. Foi-se Maribel, ficou a Chiquinha. Enfim, já estou lidando bem com isso, graças à Virgem de Guadalupe. Comemoramos ontem mais um aniversário dela. Chaves, Nhonho, um menino da escola, chamado Godinez, a Dona Clotilde, Zenon – ou seu Barriga, como minha filha chama – dona Rosa, minha avó...todos vieram. Menos a Dona Florinda e o Kiko – como a Florinda tem chamado o pivete agora. Diz ela que não queria ver seu filho em companhia de gentalha. Eu é que agradeço por ela não ter trazido o moleque até aqui.

E daqui a pouco mais de um mês, teremos Copa do Mundo! Dois anos depois das Olimpíadas, mais um evento internacional. Futebol internacional por estas bandas! Vou tentar faturar mais uns trocos...


(algumas semanas depois...)

Que droga...a maldita câmera estragou e não vou ter tempo de consertá-la. Agora nem sei como fazer pra ganhar dinheiro com a Copa...mas vai dar tudo certo.

(a 3 dias do início da Copa...)

Faltam só mais uns dias pra começar o futebol. E consegui algo pra fazer. Arranjei centenas de flâmulas pra vender por aí. Foi o jeito pra arranjar dinheiro. Nossa seleção começa com um problemão, logo a União Soviética de cara, no Azteca. E semana que vem, o Brasil joga aqui também! Queria poder ver o Pelé jogar...

(no dia 1º de junho)

Empate em zero a zero. Só isso. Mas já está de bom tamanho. Quiçá nossa seleção vá para as finais. E agora a Florinda está me chamando de Seu Madruga...tudo por que estou há 4 dias passando noites em claro, arrumando as coisas pra vender, e ainda saindo cedo de manhã, com cara de sono. Mas fazer o quê?

(dia 12 de junho)

Que felicidade! Nossa equipe superou a Bélgica e agora vai pra próxima fase enfrentar a Itália. Graças a Peña, estamos nas quartas-de-final! E as vendas estão boas, com centenas de pessoas nas ruas, está dando pra vender muitas flâmulas!

(vários dias depois...)

É pena. Paramos na Itália, com uma goleada de 4 a 1 pra eles. Mas pelo menos o grande Brasil vingou-nos. Que equipe! Pelé, Jairzinho, Carlos Alberto...vi pela televisão, todos são fantásticos! Mesmo não vencendo a Copa, vimos um show de bola dos brasileiros.
E eu ainda faturei uma ótima grana com a venda das flâmulas. Mas queria poder ter ido a um jogo pelo menos...não tive tanta sorte quanto nas Olimpíadas.
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:49

26º CAPÍTULO: Rosa e o Número 8

Desde que minha avózinha deixou de acolher o Chaves em sua casa, ele tem perambulado pela vila. Fica aqui, ali, brinca com a Chiquinha, com o Kiko e volta e meia fica na rua pedindo algum trocado. Me dá pena isso. Eu não tenho como acolhê-lo de novo, mas deixo ele tomar banho aqui, quando quer, e ajudo quando tenho alguma coisa. Depois dessa Copa, até pude ajudá-lo mais, comprei uns sanduíches, de queijo, de atum e de presunto, que ele adorou. Principalmente o de presunto.

A Bruxa, digo, a Dona Clotilde – malditas crianças que ficam chamando a senhora do 71 de “bruxa do 71” – não pode recebê-lo em sua casa também, por que não tem espaço pra isso. A velha do 14, então, não receberia em sua digníssima residência uma pessoa que nem o pobre Chaves.

Talvez uma pessoa possa ajudá-lo...


(no outro dia...)

־ Dona Rosa! – chama o Madruga na porta da zeladora.
־ Já vou, já vou... – ela atende a porta.
־ Dona Rosa, que bom que a senhora está aqui. Eu preciso resolver um grande problema.
־ Pois bem, fale.
־ Bom, você sabe que a minha avó não pôde mais cuidar do Chaves, como vinha fazendo nesses últimos anos.
־ Prossiga.
־ Bem, ela agora o mandou para cá, mas também não tenho como deixá-lo em minha casa, da mesma forma, a Dona Clotilde e a Florinda não teriam como, e os demais inquilinos, de certo, não iam querer uma criança estranha em suas casas e, como você já sabe de toda a história desde o começo, queria saber se não teria um lugar onde ele possa ficar.
־ Na minha casa não tem como, já moro sozinha nesse apartamento pequeno há um bom tempo, pra economizar, e com a merreca que o barril de chope me paga...
־ Bem, mas você é a zeladora, talvez saiba onde ele possa ficar!
־ Não sei...bom, tem um quartinho pequeno, nem banheiro tem, é anexo ao meu apartamento, só tem uma porta de acesso por fora, eu nem o utilizo, talvez ele poderia ficar lá.
־ O apartamento 8?
־ Sim, o 8. Ninguém usa ele mesmo, nem eu. É muito pequeno. Mas pra ele não ficar pela rua, vai servir. Veja com o garoto se ele gosta da idéia.
־ Pode deixar.

O Seu Madruga vai falar com o Chaves.
־ Ei, Chaves!
־ Que foi, Seu Madruga?
־ Escute, onde você tem dormido?
־ Na rua, ou junto do portão da nossa vila...
־ Você não gostaria de morar debaixo de um teto?
־ Mas eu já moro!
־ E como, se diz que mora na rua?
־ Embaixo da marquise...
־ Ora, eu digo, num quartinho, nem que seja um bem pequenininho.
־ Ah, zás, zás, e eu chegava, e ia pro meu quartinho, e zás, e zás, dormia lá, e zás...
־ Zás, zás...isso, o que você acha?
־ Eu quero sim!
־ Pois venha!

Pois é. Agora o Chaves tem um lugarzinho pra ficar. Arranjamos um colchãozinho pra ele, algumas outras coisinhas...pelo menos o garoto não precisa mais dormir na rua. É o Chaves do oito!
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:50

27º CAPÍTULO: A Foto de Maribel

Que belo país é o México. Depois de termos grandes humoristas como o magnífico Cantinflas – assisti a vários de seus filmes quando era mais jovem – e La Índia Maria, agora surge um tal de Chespirito. Assisti ontem aos Supergênios da Mesa Quadrada, que programa engraçado! Inclusive um dos integrantes se parece muito comigo...mas eu sou mais bonito, com certeza!

E ainda ontem, ocorreu um caso muito interessante e ao mesmo tempo triste. Estávamos, eu e a Chiquinha, mexendo em algumas gavetas, pra tirar o entulho, o que não presta mais e, no meio de algumas coisas, eis que aparece uma foto de sua mãe. Ainda me lembro do diálogo...


־ Quem é essa moça, papi? – diz Chiquinha ao ver a foto.
־ Ah, filhinha, essa é a sua mamãe.
־ Minha mamãe?
־ Sim. Ela era uma moça muito bonita.
־ E onde ela tá agora?
־ Bem...bom, é que...ah, filha, ela agora é uma estrelinha lá no céu!
־ Sério?
־ Sim, sim...
־ Mas por que ela tá lá em cima e não aqui com a gente?
־ Sabe, filhinha, nessa vida, tudo acaba um dia. Todos nós estamos aqui só por um tempo. E um dia, isso acaba. E nós vamos pro céu e viramos estrelinhas.
־ Mas por que ela foi tão cedo?
־ Bem, no dia em que você nasceu, a mamãe ficou muito doente. Os médicos tentaram curar o dodói dela, mas não conseguiram...
־ Daí ela foi pro céu?
־ Sim.
־ Não queria que ela tivesse ido pro céu...queria ela aqui comigo..uhn, uhn, uéééé, uéééé, ué, ué, ué...
־ Calma, calma, filhinha...eu também queria que fosse assim. Sinto falta dela. Sua mamãe foi uma pessoa iluminada, maravilhosa...vamos continuar a limpeza das gavetas, não quero mais pensar nisso, senão fico muito triste.
־ Tá bom, papi.

Já se passaram seis anos da morte de Maribel. Já estou bem melhor, consigo até falar disso sem ficar triste, mas me dói conversar sobre esse assunto com minha própria filha, que foi a mais prejudicada nisso tudo. Pelo menos, todos aqui sofremos desse mal. O Kiko não tem o pai. O Chaves, nem pai nem mãe. Pelo menos não há quem possa fazer inveja à Chiquinha nesse ponto.
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:51

28º CAPÍTULO: Amor em Tempos de Cólera

Ando muito irritado. Além de ter dificuldades em achar emprego, mais a pressão para pagar sempre em dia o aluguel, ainda tenho que agüentar as chatices das crianças. Com pouca idade, já são bem travessas. Eu disse bem travessas? Muito travessas! Eu disse muito? Completamente travessas! Hoje, não suportei a raiva. Chaves, Chiquinha e Kiko brincavam no pátio. Quando os dois moleques resolveram brincar de soldados, mandaram a Chiquinha sair, por que era brincadeira de meninos. Ela retrucou e o Chaves a beliscou. Vi tudo da janela. A raiva tomou conta de mim. Fui lá fora e dei-lhe uma pancada na cabeça. E lá se foi o pivete chorando esquisito, algo como um “pipipipi”.

Além disso, outra coisa que me irrita é o arremedo das crianças com a pobre Dona Clotilde. Alguns homens, encarregados do Senhor Barriga, foram até a casa dela para arrumar umas goteiras no teto. Passaram piche no teto da casa e deixaram no pátio um barril de madeira. As crianças, principalmente o Chaves, o usaram pra brincar. Depois disso, aconteceu o seguinte...


־ Ihhh...será que a Bruxa deu alguma poção pra enfeitiçar aqueles senhores? – disse o Chaves.
־ Vai ver ela pode ter dado uma bebida pra eles virarem rãs! – disse a Chiquinha.
Sai a Bruxa de sua casa.
־ Corram, corram, a Bruxa do 71! – grita a Chiquinha.
־ Crianças arteiras! Quem aqui é bruxa? – brada a Clotilde.
־ Ora, a senhora...- responde Kiko.
־ Moleques do demônio! Venham cá que vou fazer vocês aprenderem...
־ Não, não, não!!!!! – gritam todos!
־ Mas o que está acontecendo? – grita Madruga de sua casa.
־ Ora, Seu Madruga, estes pivetes estão me chamando o tempo todo de bruxa!
־ Moleques, moleques...por que chamam a pobre senhora do 71 de bruxa?
־ Por que ela é esquisita... – diz o Chaves.
־ Papai, não viu que trouxeram esse barril pra ela? Vai ver ela mandou comprar algum feitiço no atacado... – fala a Chiquinha.
־ Chega! Entra pra dentro, Chiquinha!
־ Mas não posso entrar pra fora...
־ Já disse, anda, anda! E você também, Chaves!
־ Mas eu quero ficar aqui brincando com o Kiko, e...
־ Já disse pra sair!
־ Não, mas eu quero...
־ Saia!
־ Não, mas eu...
־ Saia!
־ Não...
־ Saia, saia, saia!
־ Droga, droga, tudo eu, tudo eu, tudo eu... – bufa Chaves, que sai chutando o chão.
־ E você, bochechudo?
־ Eu vou bem, e o senhor?
־ Não vai sair também?
־ Não, não, ainda vou ficar brincando mais um pouco e...
Madruga range os dentes, faz cara feia e Kiko se manda pra casa dele, dizendo que ia contar tudo pra sua mãe.
־ Ora, seu Madruga, não precisava ser tão duro assim com as crianças...
־ Não dá, não dá, tem que ser enérgico às vezes!
־ Bem, obrigada por me defender...
־ Não por isso. Conte comigo pro que precisar!
־ Obrigado, seu...Madruguinha! – diz docemente a Bruxa, enquanto Seu Madruga engole em seco. A bruxa sai cantarolando até sua casa.

Eu, hein! A bruxa não faz o meu tipo...nem quero pensar nisso, já me dão uns calos frios...pior de tudo foi o que aconteceu depois...

־ Quem é que anda mandando meu filho pra casa! – berra Florinda.
־ Ora, eu mandei. Ele estava falando mal da Bruxa e...
־ CALE A BOCA! Ninguém aqui exerce autoridade sobre meu tesouro a não ser eu! Meu filho não recebe ordens de gente desclassificada.
־ Bom, mas eu...
־ CALE A BOCA! Isso que dá viver entre a gentalha.
־ Olhe aqui, eu...
־ CALE A BOCAAA! – grita Kiko.
־ O quê, seu...
־ Seu, o quê, seu Madruga? – diz Florinda.
־ Nada, nada, nada...
־ Assim espero. E não fique mais mandando no filho, ouviu?
־ Sim, sim...
Florinda se afasta com Kiko e o Madruga diz:
־ Ora essa...tá se achando a Rainha de Sabá. Velha ridícula!
־ O QUE FOI QUE VOCÊ DISSE? – grita Florinda.
־ Nada, nada, é que eu...
־ Nada uma ova! – Florinda diz e depois, dá um tabefe em Ramón.
־ Vamos, Kiko. Não se misture com esta gentalha.
־ Sim, mamãe! Gentalha, gentalha! – grita Kiko, após empurrar o Madruga.

Isso já está chato. Já é a segunda vez que a velha doida me bate. E pior que não tenho coragem de revidar. Não só por que ela é mulher, mas por que o tapa dela é realmente forte. Tempos difíceis estão por vir...
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:51

29º CAPÍTULO: O Trabalho é o Pior Remédio

Cansei. Cansei mesmo. Não agüento mais correr por aí pra tentar conseguir um emprego. Fiquei mais de três horas andando por vários lugares, na luta pra conseguir um bico que fosse, mas nada. Nada. Nada além de nada. Parece que a experiência já não é mais válida. Hoje, só querem saber de jovens, jovens...Bem, eu não sou tão velho. Nem passei dos cinqüenta ainda, oras! Já fui de tudo nesta vida, mestre-de-obras, boxeador, fotógrafo, vendedor de flâmulas, até toureiro! Puxa vida, qual a dificuldade em conseguir um emprego, nem que seja de faxineiro, ou pedreiro, ou qualquer outra coisa? Não entendo.

E agora tudo vai ficar mais difícil, com certeza. Tenho uma filha pra criar. Poderia até fazer uma coisa...mas não quero me afastar da Chiquinha. Nem me render a elas. Eu sei que algo ainda está por vir. Não posso perder a esperança. Quem sabe eu consiga algo que não exija tanto esforço e pague bem? Por quê não?

Existem sim maneiras de conseguir um dinheirinho, rápido e fácil. Como aconteceu esses dias, em que achei um bichano de uma madame que havia se perdido. Ganhei um bom valor por isso. Simples e sem esforço.

Vida miserável. Por quê temos que trabalhar? Não seria mais fácil se tudo caísse em nossas mãos ao estalar dos dedos? Por quê temos que nos esforçar tanto para chegar a algum lugar? Por quê a vida é tão cara? Por quê? Só sei que, hoje, o trabalho tem sido o pior remédio de todos. Me mato de trabalhar e não chego a lugar algum. Isso é injusto. É cruel. Mas é a vida.

O que vou fazer agora? Não sei. Vou procurar alguma coisa em algum lugar ainda. Um emprego há de aparecer. Mas o que está a meu alcance, neste momento, é ir empenhar algo de minha casa. Ou esta noite será amarga.
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Avatar do usuário
Antonio Felipe
Administrador
Administrador
Mensagens: 44055
Registrado em: 29 Jan 2009, 13:37
Programa CH: Chapolin
Time de Futebol: Grêmio
Localização: Porto Alegre - RS
Curtiu: 310 vezes
Curtiram: 2830 vezes

Re: O DIÁRIO DO SEU MADRUGA - obra ficcional

Mensagem por Antonio Felipe » 29 Abr 2009, 12:52

30º CAPÍTULO: A Visita de Malu

Tudo tem sido mais difícil ultimamente. É verdade, já faz alguns dias que cansei de procurar emprego, mas não me restou outra escolha, a não ser batalhar e bater perna por aí, pra achar algum bico. E finalmente consegui. Não é nada assim de graaaande categoria, mas pagam-me uma grana considerável. E nisso, até que deu pra realizar uma boa festinha de natal pra mim e pra Chiquinha. Só não tenho ainda a mínima idéia de como pagar o aluguel, que vence justo no dia 1º. Não tenho de onde tirar. E o senhor Barriga já botou o vizinho do 58 pra fora de casa, depois de atrasar três meses de aluguel. O gordo sabe que sempre paguei, mesmo com todas as dificuldades. Se acontecer o pior, ele não vai relaxar pra mim.

Já faz uns sete anos que estamos aqui na vila. Muita coisa aconteceu, amigos se foram, brigas começaram, tudo o que se possa imaginar já se passou. E agora, em 1972, pressinto que as coisas vão começar a piorar.


(no dia 1º de janeiro de 1972)

Ano novo, vida nova, tudo novo. Ontem, todos nós fizemos uma grande festinha. Eu, a Florinda, Dona Clotilde, Rosa, Kiko, Chiquinha, Chaves...e para minha surpresa, uma pessoa que não via há muito tempo, surgiu aqui na vila: Elisandro.

Emocionei-me quando o vi. Há mais de 6 anos que não falava com ele. A seu lado, estava, além de sua mulher, uma menina, que vi ainda bebê, pouco antes de Maribel dar a luz, da qual sou padrinho: Malu.
Ela tem quase a mesma idade da Chiquinha, cabelos vermelhos, é sardenta e muito espevitada. Lembro-me de quando Elisandro falou que sua mulher estava grávida e me queria como padrinho...


־ Ramón! – grita Elisandro
־ Diga, diga, Elisandro!
־ Nem conto, homem...vou ser pai que nem você!
־ Sério?
־ Sim, sim. Espero que seja uma menina, que nem a Maria quer. E quero te pedir um favor.
־ Pode dizer.
־ Quero que você e Maribel sejam os padrinhos!
־ Não...vai me dar essa honra?
־ Claro que sim!
־ Obrigado, Elisandro!

No dia do batizado, também foi uma grande emoção. Maribel estava ao meu lado, já com 8 meses de gravidez. Maria chorava compulsivamente e Maribel, idem. Eu estava com os olhos marejados também. É algo incrível ver seu filho batizado. No caso, filha.

Conversamos bastante sobre a vida, sobre nossas famílias. Ele me contou que a arena fechou, depois que o público perdeu o interesse pelas touradas, o que faz mais ou menos uns 3 anos. Hoje, ele se dedica ao ramo empresarial. Com o dinheiro que acumulou, abriu algumas lojas. Ele até me ofereceu um emprego! Praticamente nem dormi essa noite por causa disso, tamanha a ansiedade. Ainda estou pensando se vou mesmo aceitar esse emprego...

A Malu é uma criança esperta e bem brincalhona. Ela e as outras crianças fizeram uma algazarra incrível, mas tudo ficou na paz. Brindamos a chegada de um novo ano.

Mas hoje vence o aluguel...o gordo vai vir aqui e teremos problemas...
Administrador desde 2010, no meio CH desde 2003.

Responder