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GLOBOESPORTE.COM: O que você aprendeu de chinês?
CONCA: Aprendi a falar "obrigado", mas é complicado quando você tem tradutor, fica mal acostumado. Mas aí dá para aprender algumas coisas.
Você aprendeu algumas expressões para usar no campo?
Quando tinha que deixar a bola passar. É muito difícil. A gente não consegue falar, mas quando o outro fala você entende.
Mas nem precisou muito, né? Você recebia a bola no pé, resolveu, seu time arrebentou na China, foi um sucesso. O que tinha no time chinês? Por que era tão bom assim? Foi por sua causa?
Não. Acho que não. Os chineses se superaram muito. São guerreiros, isso que ajudou a gente a conseguir chegar num lugar em que um clube chinês nunca tinha chegado. Então, o importante foi o treinador (o italiano Marcello Lippi), o jogador chinês, os estrangeiros. Foi uma experiência bem bonita e a gente chegou até onde podia chegar.
O que vocês ganharam?
Supercopa da China, três campeonatos chineses, Copa da Ásia, Copa da China. Acho que foi bem bonito, conseguimos ganhar um jogo no Mundial (contra o Al-Ahly, por 2 a 0), que foi importante para enfrentarmos o Bayern.
No começo, não era assim. O Guangzhou foi um time da Segunda Divisão. Como se deu a transformação desse clube com a sua chegada lá, como tudo isso aconteceu?
Quando a Evergrande (Evergrande Real Estate Group, proprietária do time) comprou o clube, ele estava na Segunda Divisão. Eles compraram, contrataram grandes jogadores, jogadores da seleção chinesa também. Então, como eles tinham muita gente na empresa, mandavam o pessoal assistir ao jogo. Depois ganhou a Segunda Divisão, quando cheguei ganhamos o Campeonato Chinês, fomos para a Copa da Ásia, que o Guangzhou nunca tinha jogado. Foi melhorando, contratando jogadores importantes, e contratou o treinador, que é o Lippi, campeão do mundo, e isso foi importante tanto para o futebol chinês como para o clube.
Depois, quando o time estava bem, o ingressos chegaram a preços estratosféricos. Como era isso?
No começo, era ingresso de graça para assistir. Depois, no fim, na final da Champions da Ásia, tinha muita gente querendo ingresso. Eram um pouco caros, mas valia a pena. Muita gente querendo assistir ao jogo que foi muito importante para a toda a China. Desde que cheguei, dois anos e meio atrás, o clube melhorou e fico feliz de ter trabalhado e ter ajudado para isso.
Os ingressos já estavam sendo vendidos a quanto mais ou menos?
Mais de mil dólares (risos) – cerca de R$ 2.370. Era o que o pessoal pedia. Acho que numa cultura em que o futebol não era tão importante, acho que é bom. Mudou muito. Eles não tinham costume de ir aos jogos. Quando cheguei, nosso estádio ficava cheio, mas os outros, não.
Quantas pessoas estavam indo?
No fim, 60 mil quase todo jogo. Quarenta, 50 mil, quase sempre.
E você podia sair na rua? A idolatria que tem na China é como a do Brasil?
É parecida. O clube era o do momento. Quando cheguei, saía para a rua e era mais tranquilo. Depois, no final, o pessoal reconhecia, cumprimentava, te abraçava, te agradecia por ter feito algo para o futebol, para a cidade. Foi bonito, um reconhecimento lindo, numa cultura totalmente diferente. Sempre vou ser agradecido.
Por outro lado, não tem cobrança, né? Existe paixão, mas torcem de outro jeito.
São um pouco mais tranquilos nisso. Se a gente perde o jogo, tem que ir cumprimentar o torcedor, dar uma volta no campo, aí eles batem palma. Não tem esse problema de sair vaiado. É cultura diferente. Nem melhor, nem pior do que a nossa. Cultura a qual no começo era difícil se acostumar. Acabava o jogo, você chega no vestiário e está todo mundo tranquilo. Não gostava muito do que acontecia, mas a gente aceita a cultura deles.
O que mudou na sua vida em dois anos e meio?
Muito. Eu casei na China (com Paula), tive filho na China. O Benjamin (de um ano e dez meses). Consegui coisas importantes na China. Foi difícil? Foi. Mas hoje agradeço por essa oportunidade. Foi bonito de viver, saber que um dia morei num lugar de cultura tão diferente. Para a vida vou levar sempre como uma boa lembrança.
Benjamin é argentino, chinês ou brasileiro?
Benjamin é misturado (risos). Nasceu na China, mas não é chinês. Quem nasce lá, o pai e a mãe têm que ser chineses. Mas ele tem passaporte argentino, o brasileiro. Ele que vai escolher depois.
Em que posição você jogava na China? Sua forma de jogar mudou?
Não mudou. Era mais ou menos a mesma coisa. Joguei de meia, terceiro volante, atacante, centroavante. Acho que o Lippi tem esse costume de mudar jogador e ele me usava em diferentes posições. Mas é o que sempre falo. Espero ser o mesmo, sempre tentei dar meu máximo e hoje não vai ser diferente.
E aí se aproximava a época de voltar ao Brasil, acompanhando o Fluminense de longe, pela internet, noticiário, o que passava pela cabeça naquela época? Ver que voltaria na situação em que o Fluminense estava (queda para a Série B). Como foram os últimos três meses, por exemplo?
Foi um momento especial. A gente estava na final da Champions da Ásia, e eu queria muito. Quando assinei o contrato, o presidente queria ser campeão da Ásia em cinco anos. Então era a última oportunidade que eu tinha para conseguir. E depois sabia que poderia chegar no Mundial, era um objetivo que tinha na minha vida. Depois consegui acompanhar o Fluminense, sabia que faltava pouco para eu voltar para onde melhor me senti, onde me sinto em casa. Estava feliz por voltar, acompanhava os jogos do Fluminense. Independentemente de ganhar ou perder, estava lá assistindo e sempre esperando essa oportunidade de voltar a usar a camisa do Fluminense.
Qual é sua expectativa para este ano? Você acha que o Fluminense, por tudo que aconteceu no ano passado, pode sofrer uma rejeição no início por conta de um entendimento de que deveria ter sido rebaixado para a Segunda Divisão?
Espero poder fazer as coisas certas para o bem do Fluminense, para mim é o mais importante. Voltei para jogar num grande clube, um clube que amo muito, que tenho muito para agradecer pelo que fez por mim. Espero poder cumprir. E depois, no campo, são 11 contra 11, aconteceram alguns problemas no fim do campeonato, mas, quando você está num time grande, sabe da responsabilidade que tem, aqui não vai ser diferente. Depois, fora do campo, podem falar. Acredito que o mais importante é o que a gente faz no campo.
Você volta ao Fluminense como um dos maiores ídolos do clube. Gosta disso?
Todo mundo gosta. Se sente bem, se sente importante num clube. Mas na minha cabeça passa que tenho que trabalhar muito. O torcedor me faz me sentir muito bem, no clube me sinto muito bem. Mas não posso ficar falando, pensando que sou ídolo. Vou brigar por um lugar como todos os jogadores, isso é o mais importante. Ter na cabeça que aqui somos um grupo e tem que pensar dessa forma.
Você já trabalhou com Renato Gaúcho no Vasco e no Fluminense. Percebeu algo diferente nele?
Todo mundo vai melhorando. Ele é uma pessoa muito inteligente, com certeza está cada dia melhor. Fico muito feliz de encontrá-lo aqui no Fluminense novamente, trabalhei com ele no Vasco, e hoje, no ano que volto, reencontrar com ele é muito bonito. Espero poder ajudar para ele realizar um grande trabalho.
Queria voltar um pouco no tempo. Quando você ia treinar, e ainda jogava nas divisões de base do Tigre, pegava um ônibus para ir ao treinamento. Lembra das cores do ônibus?
Tinha as cores do Fluminense. Incrível. Lembro que, quando assinei contrato em 2008 com o Fluminense, eu pensei a mesma coisa. Que coincidência. Viajei tanto num ônibus daquelas cores e agora visto a camisa. Tenho essa alegria de vestir a camisa do Fluminense, que para mim não tem preço. Muito importante voltar a vestir.
Você volta a um clube em que virou ídolo, com destaque, e são seis meses até a Copa do Mundo. Você acha que tem seis meses para convencer o Alejandro Sabella?
Voltei pelo que sinto pelo clube, pelo que me deu. Fizeram muito para me contratar e agradeço por isso. Vou ter a chance de jogar no Fluminense, sei que, se estou bem aqui, a chance aumenta. Gostaria de poder jogar bem e ter uma chance na seleção.
Não é um grupo fechado, então?
Acho que não. Pode aparecer uma surpresa. Mas vou ter que trabalhar muito para conseguir essa vaga, sei que não é fácil.
E o fato de a Copa ser no Brasil ajuda?
Ah, pode ajudar. Espero que sim (risos). Estando num clube grande, num campeonato tão importante como o Brasileiro, pode ser importante, sem dúvida.
Olhando para trás, fazendo uma retrospectiva da sua vida, o que falta para conquistar?
Muita coisa. Com o tempo vão chegando oportunidades e vou tentar aproveitar. Agora tem o Carioca, que é muito importante para o clube, tem que ir devagar, mas sabendo que a gente pode conquistar muita coisa com a camisa do Fluminense.
O que sente quando para e pensa no início da carreira até a disputa do Mundial, que era um sonho seu. Qual é a primeira coisa que pensa?
Primeira coisa? Voltar a jogar no Maracanã com a camisa do Fluminense, reencontrar a torcida, vai ser maravilhoso.
Quando você chegou ao Brasil, dia 23 de dezembro, o Fluminense ainda estava no Tribunal envolvido no caso Héverton, e a decisão final saiu mesmo em 27 de dezembro. Naquele momento faria diferença voltar ao clube para jogar na Série B?
Se o Fluminense estiver na Série B, Série A, não vim por isso. Todo mundo gosta de jogar na Série A. Mas eu não vim por isso. Não vim pela seleção. Vim porque me sinto bem aqui, porque o clube fez um grande esforço para me contratar também. Isso foi importante também. E por tudo que representa na minha vida, na vida da minha família.
Você volta como um dos principais jogadores do país, uma das contratações de maior impacto dos últimos tempos. Qual é o peso dessa carga?
Na verdade nunca imaginava que isso ia acontecer comigo aqui no Brasil. Quando cheguei à China, foi a mesma coisa. Cheguei e todo mundo achava que eu tinha que fazer três, quatro gols, no primeiro jogo. Mas eu sei bem da responsabilidade, tenho de ajudar o Fluminense, que é o mais importante. Todo mundo quer fazer gol, jogar bem. Vai depender de tudo. Do clube, do grupo, treinador, todo mundo. Acho que estou aqui para ajudar porque é o mais importante.
Aí você entra num time que tem Fred, Sobis, Wagner, agora o Walter. É muita gente boa para dividir essa responsabilidade?
Temos grandes jogadores. Isso que é bom. Você vem para um grupo com jogadores importantes, que vão ajudar e têm ajudado o Fluminense. Espero poder estar junto com eles e levar o time para o mais alto.
Você acha que a torcida do Fluminense vai estar diferente este ano pelo que o clube passou em 2013?
Não penso nisso. Se jogar bem e ganhar, a torcida vai ficar feliz e sempre do nosso lado. Houve um momento especial em 2009, estávamos muito mal, último do campeonato, e todo mundo achava que estava rebaixado. Nesse momento apareceu a torcida do Fluminense e levou o time a ficar na Primeira Divisão. Então acho que a gente tem que pensar que tem que dar alegria ao torcedor, jogar bem, se esforçar, para a gente conseguir grandes resultados e eles estarem felizes.
Na China você conquistou muito pessoalmente e profissionalmente. No caso da seleção argentina, foi algo de que você abriu mão nesses dois anos e meio, já que foi para um centro de pouca expressão no futebol?
Pode ser. Mas na verdade em 2010 eu estava muito bem no Brasil, num campeonato importante para todo mundo, e não fui chamado. Não quer dizer que na China não poderiam me chamar. Não me chamaram, tranquilo. Estou aqui para jogar pelo Fluminense. Se acontecer de ser chamado, vou ficar muito feliz.
Você é um dos estrangeiros de mais sucesso no Brasil nos últimos tempos. Tem a vontade de tentar ser um dos maiores da história?
Sempre falei que o mais importante para mim é crescer como pessoa e sentir que estou melhor a cada dia. Isso vai me fazendo feliz. Não quero ser comparado com outro, se fui melhor do que um ou outro. Quero acabar minha carreira e saber que desde o início melhorei muito.
Você é argentino de nascimento, na China foi abraçado, mas esse coração é em boa parte brasileiro?
Com certeza. Sou argentino, amo meu país. O Brasil tem me tratado muito bem. Na China, também. Acho que o Brasil tem me dado muita coisa. O coração fica um pouco dividido, eu nasci na Argentina, mas o Brasil tem feito muito por mim. Moro no Brasil, vou ficar morando no Brasil depois. É um grande país para morar.
Não pensa em tentar jogar novamente no futebol argentino?
Quando joguei na Argentina, não joguei bem. É a verdade. Não tenho as portas abertas em nenhum clube, nunca me procuraram. Mas não tenho o que reclamar deles, não penso em voltar, tenho mais três anos de contrato aqui, minha cabeça só passa pelo Fluminense, que é o mais importante.
Você tem sorrido muito nos treinos. Muita felicidade?
Estou feliz, me sinto muito feliz, é o que eu queria, minha família também queria. Tenho motivos para sorrir porque estou muito feliz no Fluminense, num clube muito importante, no qual me sinto muito bem.