http://vejasp.abril.com.br/especiais/os ... -da-camara
Entra ano, sai ano, vem uma legislatura, vem outra, continuam chamando a atenção dos cidadãos preocupados com a gestão do bem público e os problemas da metrópole o grau de ineficiência, o despreparo e as irregularidades que se veem na
Câmara Municipal de São Paulo.
Para grande parte dos eleitores, os atuais vereadores são ineficientes, preguiçosos e pouco confiáveis. Ou seja, não estão à altura da importância de uma cidade como a nossa.
A imagem ruim se tornou evidente numa enquete realizada recentemente por VEJA SÃO PAULO em parceria com o Departamento de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Abril Mídia.
Os entrevistados deram nota 3 à atuação dos vereadores paulistanos e elencaram como seus principais defeitos a
ineficiência das propostas (80%), o
pouco apego ao trabalho (70%) e a
corrupção (60%).
Nesse levantamento, foram ouvidos 1.513 moradores da capital entre os dias 10 e 22 de agosto. “
Os próprios vereadores abrem mão do seu poder ao usar o cargo para negociar favores”, avalia o cientista político Carlos Melo, do Insper.
Com isso,
os eleitores têm grande dificuldade na hora da escolha.
Dos 55 atuais vereadores, 51 vereadores concorrem à reeleição no dia 7 de outubro de 2012.
Devem disputar essas cadeiras com aproximadamente 1.200 candidatos. Tem todo tipo de gente nesse balaio, como peras, tiriricas, mascarados e cacarecos, ao lado de pessoas sérias e com boas propostas.
Nas reportagens a seguir, acompanhe exemplos das más práticas que se tornaram hábito no Palácio Anchieta, a sede do Legislativo municipal, e uma reportagem sobre a importância do papel da Câmara e do principal instrumento capaz de reverter a situação atual : o seu VOTO.
--
PREGUIÇA EM PLENÁRIO
Segundo a maioria dos eleitores da capital,
os vereadores trabalham bem menos do que deveriam. Episódios ocorridos recentemente contribuíram para reforçar essa fama. No fim de junho, o jornal "O Estado de S. Paulo" denunciou que
funcionários dos gabinetes batiam o ponto no lugar dos vereadores. Havia ainda um botão de presença instalado na copa do plenário, de modo que ninguém precisasse entrar no local onde ocorrem as votações e debates para ganhar o dia. Depois da reportagem, a presidência da Casa tornou obrigatória a leitura biométrica de impressões digitais dos vereadores antes das sessões, a fim de dificultar a vida dos gazeteiros. A maioria, porém, continua passando por lá, deslizando a mão na máquina e saindo rápido para tratar de seus interesses.
A presença no plenário não é o único critério para avaliar a atuação de um ocupante do Poder Legislativo. Ele também trabalha em comissões e pode estar longe da Câmara, tratando de assuntos inerentes ao mandato que exerce. Considerando a avareza intelectual da Casa, marcada pela baixa produção de ideias relevantes, esse está longe de ser o caso de grande parte dos atuais vereadores. O pecado da preguiça se manifesta mesmo diante de um expediente com uma carga horária camarada.
As sessões ordinárias acontecem de terça a quinta, das 15 às 17 horas, e apenas as quartas costumam ser usadas para votações.
Ainda assim, são frequentes os vazios.
Neste ano, até meados de agosto,
o ranking dos mais faltosos é liderado por David Soares, do PSD, filho do pastor R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus. São treze ausências, todas justificadas como licença para tratar de interesses pessoais. Procurado por VEJA SÃO PAULO, o vereador mandou avisar que não se pronunciaria sobre o tema. Há dois anos, ele passou a ocupar a vaga de Marcelo Aguiar, eleito deputado federal. David Soares, vale lembrar, é um dos candidatos da Casa à reeleição.
AVAREZA INTELECTUAL
Cerca de 60% dos decretos e leis aprovados na atual legislatura se referem a honrarias, batismo de logradouros, criação de datas festivas e outras coisas do gênero. “São
projetos irrelevantes, uma perda de tempo”, afirma Claudio Weber Abramo, diretor executivo da ONG Transparência Brasil. As últimas bancadas que passaram pela Câmara mantinham porcentual semelhante nesse tipo de atuação. Entre 2001 e 2004, a situação era um pouco melhor : tais projetos representavam 46% do total de propostas.
A questão seria menor se o debate dos assuntos prioritários fosse mais sério e proveitoso. O exemplo mais notório envolve a revisão do Plano Diretor, conjunto de normas que estabelece as diretrizes de crescimento da cidade. Previsto para 2007, o trabalho se arrastou tanto que no ano que vem já estará na hora de fazer um projeto novo. De acordo com o movimento Transparência Brasil,
o vereador José Ferreira, o
Zelão, do PT, é quem lidera o índice de propostas “sem relevância” (65%), como a “outorga de salva de prata para a Associação dos Moradores e Amigos da Vila Guilherme”.
ORGULHO CLIENTELISTA
Em um teste aleatório, no mês passado VEJA SÃO PAULO enviou, a partir de e-mails pessoais, duas mensagens a cada um dos 55 vereadores. A primeira delas perguntava como seria possível conseguir uma cadeira de rodas. Na segunda, a questão era sobre se a revisão do Plano Diretor ainda será discutida nesta legislatura. A mensagem que continha o pedido de doação recebeu mais respostas que a de informações a respeito do projeto em discussão (quinze contra dez).
Entre os que deram retorno ao pedido da cadeira de rodas, apenas três escreveram explicando que isso não é papel do vereador (Alfredinho, do PT, Antonio Carlos Rodrigues, do PR, e Marco Aurélio Cunha, do PSD). Todos os outros deram algum tipo de continuidade à solicitação, em geral pedindo o contato telefônico do remetente. O episódio representa um indício de como
o vício clientelista ainda se faz presente na vida dos vereadores e, muitas vezes, recebe mais atenção deles do que os temas de interesse da cidade.
Entre os atuais membros da casa, o que encarna melhor esse perfil é
Wadih Mutran, do PP. Graças a sucessivas reeleições, ele ocupa há trinta anos uma cadeira na Câmara. “O meu salário vai para o povo. Ajudo mesmo”, diz.
Ele desdenha do fato de já ter sido condenado por crime eleitoral, depois que seu comitê foi flagrado, em 2008,
cedendo uma cadeira de rodas em plena época de campanha, o que configura compra de voto. “
A pena foi doar 120 cestas básicas a uma instituição. Então quer dizer que cadeira de rodas não pode, mas cesta básica pode ?”, pergunta.
Seu escritório na Vila Maria é ponto de peregrinação diária de dezenas de eleitores, que preenchem ficha com solicitações como remédio ou emprego e são encaminhados para uma conversa reservada com um de seus assessores.
Tranquilo ao falar de situações espinhosas,
o vereador só sai do tom quando questionado sobre a quantia de 1,4 milhão de reais que declarou à Justiça Eleitoral ter “em espécie”. Sua explicação: “Eu guardo onde eu quiser”. Ele também se irrita quando perguntado como
dobrou o seu patrimônio nos últimos quatro anos, chegando a 3,9 milhões de reais.
Grande parte disso, segundo conta, se deve a três bilhetes premiados de loteria. Sorte dele, azar dos paulistanos.
GULA SALARIAL
Na iniciativa privada, até mesmo o funcionário mais desconectado da realidade ficaria constrangido em pedir aumento e mais benefícios sabendo que em sua ficha constam faltas frequentes e baixa produtividade. A coisa é bem diferente na
Câmara Municipal. Por lá,
os vereadores costumam agir como se o dinheiro caísse do céu. No fim do ano passado, a Casa aprovou a criação de 13º salário para seus legisladores. Na mesma tacada, eles aprovaram reajustes escalonados em seus salários. De imediato, seus ganhos passariam de 9.288 para 11.393 reais, e chegariam a 15.031 reais em 2013 (62% de aumento no período).
Os aumentos implicarão um acréscimo de gasto anual de 4,6 milhões de reais no orçamento do Legislativo municipal.
Vale lembrar que
os vereadores não embolsam apenas o dinheiro do contracheque no fim do mês. Têm direito também a uma série de mordomias, como carro e motorista, e cada um pode gastar mensalmente 106.452 reais para bancar dezoito assessores e 17.287 reais em despesas gerais.
A gastança gerou muita polêmica e indignação. Depois da aprovação do aumento, o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu tudo, apontando incoerência constitucional e possíveis danos aos cofres públicos.
A mesa diretora da Câmara não se conformou com a decisão e resolveu espernear. Depositou o valor dos reajustes em juízo e recorre da decisão, sob a justificativa de que o reajuste é uma possibilidade aberta depois que os deputados fizeram o mesmo.
“Os vereadores devem, sim, ganhar bem. Poderiam receber até mais para permanecer aqui de segunda a sexta, o dia todo”, afirma o presidente José Police Neto. Argumento plenamente defensável desde que eles fizessem por merecer. Ainda estamos bem longe disso.
--
http://img.vejasp.abril.com.br/t/2/t420 ... jubran.jpg
Na enquete de VEJA SÃO PAULO, feita entre 10 e 22 de agosto, apenas 31% dos entrevistados já tinham candidato a vereador, enquanto 63,6% haviam escolhido um sucessor para Gilberto Kassab.
A comparação ilustra bem nosso paradoxo eleitoral : ao mesmo tempo em que a Câmara é a instituição municipal mais mal avaliada pelos entrevistados (nota média 3, ante 4,5 da prefeitura), é a que menos motiva atenção e engajamento. “Se os legisladores têm um desempenho pífio na criação de projetos de alto impacto, também devemos nos sentir responsáveis”, diz Gilberto Palma, diretor do Instituto Ágora, que acompanha o trabalho dos vereadores.
Muitas vezes, mais até que os atos do governo do estado ou do governo federal, as decisões dos vereadores têm maior impacto no nosso cotidiano. Se um conjunto de novos prédios está engolindo a vista de sua janela, se você pode usar a Nota Fiscal Paulistana ou se o boteco irregular da sua vizinhança ganhou anistia para funcionamento, por exemplo, tudo isso foi, em algum momento, definido pelos ocupantes das 55 poltronas que compõem nosso plenário.
“
A sociedade está se tornando amorfa diante da política e o cidadão não se assusta mais com absurdos como a informação de que um homem público foi pego roubando”, afirma o historiador Marco Antonio Villa. “Na hora do pleito, o eleitor comparece à urna apenas para cumprir uma formalidade burocrática.
Não tem a menor esperança de que o voto terá alguma utilidade.”
No levantamento de VEJA SÃO PAULO, um terço dos entrevistados não soube citar o nome de nenhum vereador paulistano e 35% mencionaram alguns que não fazem parte da Casa, como um ex-jogador de futebol que é apenas candidato. Os mais lembrados já eram conhecidos antes de ingressar na política : Aurélio Miguel (21%), Agnaldo Timóteo (16%) e Netinho de Paula (16%), seguidos por Roberto Tripoli (13%) e Wadih Mutran (12%), os únicos que alcançaram dois dígitos.
Neste ano, aliás, uma série de outras figuras mais ou menos notórias quer seguir a trajetória de Timóteo e Netinho. A lista vai da cantora Angela Maria a Serginho, ex-participante do “Big Brother”. “Depois do fenômeno Tiririca, tende-se a achar que esses candidatos de TV podem significar voto de protesto, mas isso é um equívoco”, diz Villa. “Nada em suas plataformas representa a negação do “status quo”. É muito mais uma escolha despolitizada, de quem não tem ideia de que opção fazer”, pondera.
Votar de improviso ou esquecer-se do trabalho da Câmara depois de 7 de outubro, tendo emplacado ou não um candidato vencedor, é também uma forma de ser conivente com os absurdos.
Do site da Casa, que tem um nível bem razoável de transparência, até o trabalho de ONGs, como Voto Consciente, que acompanham o Legislativo, é possível saber quais projetos estão sendo propostos ou votados, as CPIs em curso e quem são os mais faltosos.
É importante também vasculhar o site dos candidatos e analisar se suas propostas são boas e viáveis. A escolha, ainda assim, não será fácil. Mas a cidade precisa que ela seja benfeita.
É PRECISO VIGIAR DE PERTO
A Câmara está de portas abertas para os cidadãos, que não precisam avisar antes para assistir a alguma atividade em plenário. No site
http://www.camara.sp.gov.br, há as pautas de discussão das sessões e informações sobre cada vereador, como presença em comissões e projetos propostos.
Na ficha dos legisladores no projeto Excelências (
http://www.excelencias.org.br), da ONG Transparência Brasil, há ainda dados como porcentual de projetos irrelevantes e citações do político na Justiça. Até o fim do mês, o Instituto Ágora lançará um gráfico de análise de desempenho dos legisladores, algo que a ONG Voto Consciente ([url]http://www.%20votoconsciente.org.br[/url]) também fez, com diferente método, há duas semanas.