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Ao meio-dia e meia de uma segunda qualquer,
Tiago Leifert faz piada para justificar a escolha por uma malcheirosa escadaria de incêndio - a rota alternativa que conduz ao estúdio onde, em minutos, ele desempenhará sua missão de vida pela primeira vez naquela semana. No caminho, é saudado por meia dúzia de conhecidos, que mencionam detalhes relacionados à rodada de futebol do dia anterior.
Tudo isso - o horário, o atalho, o assunto constante - faz parte da rotina de Tiago desde que assumiu a versão paulista do programa
Globo Esporte, em que se divide entre as funções de apresentador e editor-chefe. Em sua mão, um cartão indica a ordem das matérias.
Com a expressão amena, sem demonstrar inquietude, ele inicia a transmissão ao vivo de modo repentino. Nos próximos 30 minutos, irá entrevistar um jogador de futebol e uma atacante de vôlei, cortará uma matéria pela metade durante o intervalo, fará piadinhas e se comunicará com a "voz da consciência" (a direção) por meio do ponto eletrônico.
Visto de relance, ele chega a parecer um adolescente em férias, tamanha a falta de esforço em esconder o quanto está se divertindo. Quando finalmente começa a esquentar, o programa termina.
"Estourei um minuto e meio com a entrevista no primeiro bloco", Tiago explica, já atrás das câmeras. "Tive de compensar no seguinte. Cortei essa parte, diminuí essa e deu certo", ele descreve os procedimentos técnicos como se fossem atividade corriqueira.
Para quem entra ao vivo naquelas condições 350 vezes ao ano, provavelmente é mesmo. "Se você não se diverte no seu trabalho, está ferrado", ele diria mais tarde. "Daí, vira sofrimento."
Quinze minutos mais tarde, a reunião de pauta dá a leve impressão de algo atípico. Em uma sala envidraçada, a equipe do
Globo Esporte - uma dúzia de homens e mulheres dos mais variados tipos e funções - despeja ideias de pauta e papo furado na mesma proporção.
Tiago, 29 anos, mais jovem que pelo menos metade daquele grupo, está posicionado discretamente no centro da mesa e procura não comandar a ação. A impressão é a de que nada foi decidido, mas o encontro se encerra após meia hora, como se tudo estivesse já acertado. Nove horas após ter se levantado da cama, o editor-chefe enfim se permite almoçar. "Vocês aí morram de inveja, porque vou comer com o Arnaldo Cézar Coelho", Tiago anuncia para o time, como se certos fatos inerentes à fama ainda não lhe fossem corriqueiros.
A primeira impressão que qualquer um tem ao encontrar
Tiago Leifert (se lê "laifer" o sobrenome lituano) é a de ele remeter a alguém que você conhece, um colega da escola ou um amigo de um amigo. A sensação é compartilhada por quem o aborda sem cerimônia na rua, na escada rolante, na fila do estacionamento. "Minha sensação é de não estar mais solitário", ele diz, com o tom melancólico, mas ainda soando como "aquele moço engraçado que fala de futebol na TV." "Agora, não me sinto mais sozinho em lugar nenhum."
Apenas até junho, o rapaz então com 30 anos completos pode ser considerado um fenômeno meramente local. No jargão global, e
le entrará "em rede" e se tornará âncora de um programa de exibição nacional sobre a Copa do Mundo. "Ainda não sei como será, estamos formatando", ele procura não demonstrar ansiedade com a chance que poderá torná-lo conhecido por virtualmente todos os brasileiros que acompanharem o torneio. "A vida vai continuar a mesma coisa, 11 de julho [data da final] é um domingo. Dia 12, estou no Globo Esporte. Normal", despista, como se nem ele mesmo quisesse acreditar que tudo será como antes.
"Tem uma senhora de idade que perguntou se pode vir aqui para te elogiar." O garçom que se dirige a
Tiago Leifert repete um ritual que ocorre invariavelmente todas as vezes que ele come naquele mesmo restaurante de shopping center. A mulher robusta e elegante, com carregado sotaque espanhol, se posta de pé diante de nossa mesa e é cerimoniosa ao desferir suas opiniões. "Parabéns pelo programa", ela diz. "Queria felicitar pela mudança boa."
Tiago agradece com um meneio de cabeça e um sorriso sereno, igual àquele que exibe diariamente na televisão. "Obrigado ! Qual a nacionalidade da senhora ?"
"Sou chilena."
"Ah, bom. Se fosse argentina, achei que iria pegar uma faca e pular em mim. Todo mundo sabe que tenho um carinho pelos argentinos", Tiago sorri, citando uma piada recorrente em seu programa.
"Eu não me divertia muito no começo", ele confessa assim que a fã se afasta, se referindo a janeiro de 2009, quando assumiu o Globo Esporte após uma tortuosa temporada como repórter do canal SporTV. "Hoje, me sinto íntimo das pessoas. Elas me conhecem e sabem o que esperar de mim. Me sinto à vontade para falar besteira, porque sei que elas vão me perdoar."
"E eu sei quem elas são", ele afirma, parecendo convicto.
"Afinal, almoço com elas todos os dias. Não estou vendo, mas sei do que gostam, o que pensam. Eu sei."
Às 4 da tarde daquela sexta-feira, Tiago ainda não almoçou. Ele veste os trajes que usou no programa de horas antes - jeans, camisa polo verde, tênis - tudo retirado de seu próprio armário. Ao garçom de sempre, pede "o de sempre" : o paillard com pasta bem passado, na versão reduzida do menu infantil. "Sou o tipo de cara que sempre come a mesma coisa no mesmo restaurante", ele exemplifica o estilo metódico que caracteriza sua personalidade. Recentemente, começou um regime baseado em só comer metade do que costumava. "Quero entrar nos 30 mais fininho. Tenho uns resquícios de Burger King ali embaixo", diz, com as mãos na barriga.