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(entrevista com Silvio Luiz)
Silvio, que análise você faz do jornalismo esportivo atual ?
Piorou muito. E em todos os sentidos. Há muitos meninos que saem da faculdade, não sabem nada e são jogados em um clube de futebol. Seus professores são mestres, têm pós graduação, mas nunca conversaram com um atleta. E hoje há as figuras dos empresários dos jogadores, dos assessores de imprensa. São trinta jornalistas participando de coletivas que não rendem nada. O jogador é orientado a não falar nada de verdade. A situação é falsa, boba. O jornalista como não tem uma declaração que valha a pena se vinga na hora de escrever. O atleta fica irritado quando lê o jornal, a Internet. Os dois lados, o dos jornalistas e o dos jogadores mal se suportam. A situação é ruim e só piora a cada dia. Eu sei bem do que estou falando porque fui repórter.
E como era trabalhar como repórter ?
Estamos falando de 50 anos atrás. Havia intimidade, amizade com o jogador. Ia para o restaurante, para o puteiro, para todos os lugares. Éramos amigos, mas todos se respeitavam. A confiança era grande. Se no dia do jogo, ele fosse mal, não havia perdão : cacete nele. A relação era verdadeira. Não essa falsidade de hoje.
Havia jornalistas que estavam na lista de pagamento dos clubes ? Repórteres que ganhavam para falar bem de um time, de um jogador ?
Sim. Infelizmente, sim. Todos nós sabíamos que isso acontecia, mas fingíamos que não percebíamos. Eram pessoas fracas que contavam com esse dinheiro dos dirigentes. Ficaram ganhando anos e anos.
Mas hoje também acontece.Ou não há jornalista ainda hoje viajando e se hospedando por conta da CBF ?
Isso é tão sujo quanto ganhar dinheiro de clube de futebol. Eu fico muito triste, indignado quando penso a sério sobre essa situação.
Você está satisfeito com o jornalismo esportivo na tevê ?
Não. Por um simples motivo : não há jornalismo. Há entretenimento, diversão. Algo para passar o tempo, com muitas brincadeiras e nenhuma profundidade. O importante é manter a pessoa assistindo, ter audiência. E também muita gente que está na televisão hoje não mereceria estar. Pena que poucas pessoas saibam.
Como assim ?
Tem muita gente que está diante das câmeras por causa dos patrocínios que leva
(tá falando do Milton Neves). Leva dois, três patrocinadores e vira o rei. Hoje, meu filho, o que vale é o dinheiro. Em todo o lugar. O valor da pessoa, o talento fica em segundo plano. Eu vejo, lamento, mas entendo. Percebo muito bem o que está acontecendo ao meu redor. Eu brinco, ironizo, mas não sou bobo.
Entendo bem demais o atual jogo da sobrevivência na tevê, no jornalismo. E tudo está ainda mais pesado.
Como o Faustão me disse. Quando comecei na Globo dava 35 pontos. Mas não tinha celular, os shoppings não abriam aos domingos, internet, tevê a cabo, porra nenhuma. Hoje há inúmeras possibilidades de divertimento além da tevê. E a briga é mais pesada. O dinheiro do patrocinador fala mais alto.
Como você mudou a maneira de narrar futebol no Brasil ?
Não sei se mudei, mas tenho muito orgulho da minha carreira. Sempre fiz e faço do meu jeito. Quando morreu o grande narrador Geraldo José de Almeida, a Record precisava de um narrador. Havia uma dúvida. Entre eu e o Hélio Ansaldo. Um iria narrar e outro iria comentar. O Hélio narrou duas partidas e acabou pedindo para comentar, dizia que eu fazia melhor. Eu realmente gostei e acredito que fiz um bom trabalho. Procurei seguir a minha intuição e parti para divertir o telespectador. Narro o jogo, mas várias situações que acontecem durante a partida são ditas do meu jeito. Os bordões vieram naturalmente, do meu poder de observação. Eu brinco, faço quem está assistindo se envolver com o jogo. Dar uma risada, descontrair, além de torcer. Esquecer um pouco a dificuldade da vida. Fico feliz demais quando percebo que as pessoas realmente se divertiram com o jogo.
Você fugiu da maneira tradicional de narrar...
Sim. A maneira tradicional foi a que consagrou o Galvão Bueno e o Luciano do Valle. Eles seguem a cartilha do Geraldo José de Almeida. Acabaram ufanistas, torcedores demais. Torcem além da conta nos jogos do Brasil. Em nome dessa torcida distorcendo a realidade. Isso é ruim, irrita quem está assistindo a partida.
E eu acho que o Galvão Bueno tem uma rejeição além da conta por um erro básico.
Qual ?
O Galvão muitas vezes quer tanto que a sua tese prevaleça que ele briga com a imagem. É uma postura absurda, que não tem cabimento hoje em dia. Há 16 câmeras mostrando um lance. Não será gritando o contrário do que todos estão vendo que terá razão. A reação contrária ao Galvão vem daí. Mas ele é um excelente narrador. Assim como o Luciano, que está meio devagar, perdeu um pouco o entusiasmo.
Mas também tem muito talento.
Muita coisa foi dita sobre o fato de você não ter transmitido a Copa da África. O que aconteceu ?
Eu iria cobrir a minha décima Copa do Mundo. Me preparei para ir. Mas faltando uma semana, o diretor da emissora onde eu estava me chamou e disse que eu não iria mais. Ele alegou ter recebido ordens 'de cima'. Não admiti a situação, o desprezo com que fui tratado. E pedi demissão. Não me arrependo. Fiz o certo. Posso brincar muito e as pessoas não percebam, mas tenho minha dignidade. Na minha lápide quero que escrevam: "Silvio Luiz, o homem das nove Copas. Quase dez..."
Mas e a do Brasil ? Não vai fazer ?
Cosme, em 2014 vou completar 80 anos, será que alguma emissora vai me querer ? No Brasil, no mundo, não há espaço para as pessoas velhas. Eu entendo, sou realista.
Tenho certeza que estará narrando, mas quero saber o que você acha da Copa no Brasil...
Eu acho que já começou de maneira errada. Não há explicação para tirar o Morumbi da abertura da Copa do Mundo. A não o jogo de interesse. A amizade do Ricardo Teixeira com o Andres Sanches levou a abertura para Itaquera. Tudo porque o Juvenal votou no Fábio Koff no Clube dos 13. Não me conformo como as coisas acontecem por aqui. Tudo é uma grande sacanagem. Por isso vejo essa Copa com o pé atrás.
Qual foi o jogo mais importante que você narrou ?
Cosme, eu não torço mais para um time. De coração, torço para os meus amigos. E torci demais pelo Brandão, que era o treinador de 1977. O título que o Corinthians venceu depois de 22 anos foi o mais emocionante para mim. A vibração no Morumbi foi inesquecível. Fiquei muito feliz pelo Brandão.
Outro amigo seu acabou fracassando na Copa da África : o Dunga...
Sou amigo dele sim. Tenho muito orgulho da nossa amizade. Ele é uma pessoa ótima. Mas eu sei que ele assumiu a Seleção para acabar com a farra. Impedir que alguns jogadores que abusaram voltassem.
Ele nunca foi um grande estrategista. Para isso, ele deixava o Jorginho pensando na tática. Mas o maior problema do Dunga foi a sua fidelidade aos amigos. Ele se ferrou porque insistiu nos jogadores que nunca viraram as costas quando foram convocados. O Dunga teria de ter levado o Neymar e o Ganso. Mas foi fiel aos jogadores que sempre chamou e dançou. Ele errou e pagou caro por isso. O Dunga é uma grande pessoa, mas exagerou na África. O Mano que ficou com o cargo parece ser uma pessoa mais esperta, equilibrada. Sabe como as coisas funciona. E herdou um 'manjar branco'. Não irá disputar as Eliminatórias, deverá chegar bem demais na Copa de 2014.
Como é o seu atual momento ?
Muito alegre. Estou bem na Rede TV! Trabalho com pessoas que gosto, em quem confio. Tenho o meu site, meu blog, o twitter. Tenho 62 mil seguidores. E na semana que vem serei avô, estou feliz demais.
Você trabalhou em várias tevês, por que não na Globo ?
Eu tive o convite em 1981 ou 1982. O Nilton Travesso me chamou para almoçar e disse que o Boni me queria. Respondi com uma pergunta : quem vai narrar a final da Copa de 1982 ? O Nilton não soube responder. Estava cara que não era eu. Percebi que a Globo estava tentando me tirar da Record só para que eu não narrasse. Tipo de atitude que ela costuma ter até hoje. Comprar as coisas para não mostrar.
Mas comigo não, negão. Disse não e segui feliz da vida a minha carreira. Que vai seguir enquanto Deus quiser...