A íntegra da conversa entre os delatores da J&F Joesley Batista e Ricardo Saud ficou sob sigilo até pouco tempo atrás. Ao longo do dia, no entanto, publicações, como os sites do jornal “O Globo” e da revista “Veja”, tiveram acesso a boa parte dos trechos dos diálogos, que o Jornal Nacional mostra a partir de agora.
Por longos minutos, a conversa é sobre o ex-procurador Marcelo Miller, que por três anos trabalhou como auxiliar no gabinete de Rodrigo Janot. No dia em que o diálogo foi gravado, 17 de março, Miller ainda trabalhava na Procuradoria-Geral da República. Pouco depois ele deixaria o Ministério Público para tornar-se sócio de um escritório que atuou no acordo de leniência da J&F. Na conversa, Joesley Batista diz a Saud que a intenção é usar Marcelo Miller para chegar a Janot. Eles se referem também a uma mulher chamada Fernanda, que seria a advogada Fernanda Tortima, que trabalha para a JBS.
Joesley: Por isso é que eu quero que nós dois temos que estar 100% alinhado. Nós dois e o Marcelo, entendeu? É, mas nós dois temos que operar o Marcelo direitinho pra chegar no Janot e pá. Porque nós temos que... Eu acho, é o que eu falei pra Fernanda, é o que eu falei pro... Nós nunca podemos ser o primeiro. Nós temos que ser o último. Nós não podemos ser...
Saud: A tampa do caixão.
Joesley: Nós temos que ser a tampa do caixão. Falei pra Fernanda: “Fernanda, nós não vamos ser nunca quem vai dar o primeiro tiro. Nós vai ser quem vai dar o último tiro. Vai ser quem vai bater o prego da tampa”.
Saud: O Marcelo tá ajeitando.
Joesley: Isso. E é o seguinte. Nós vamos conhecer o Janot, nós vamos conhecer não sei quem e quem é que precisa do quê?
Em outra parte da conversa, Joesley Batista e Ricardo Saud especulam se Rodrigo Janot tinha conhecimento das tratativas que diziam manter com Marcelo Miller ou se algum outro interlocutor teria levado estas tratativas ao conhecimento de Janot. Eles citam Eduardo Pelella, chefe de gabinete de Janot.
Joesley: O Janot sabe tudo! Janot... A turma já falou pro Janot.
Saud: Você acha que o Marcelo tá levando tudo pra ele?
Joesley: Não, não é o Marcelo. Nós falamos pro...
Saud: Anselmo.
Joesley: Pro Anselmo, o Anselmo que falou pro Pelella, que falou pro não sei que lá, que falou pro Janot, o Janot tá sabendo. Aí o Janot, espertão, o que o Janot falou: “Bota pra f.., bota pra f... Põe pressão neles pra eles entregar tudo”. Mas não mexe com eles. “Pra f..., dá pânico neles!”, mas não mexe com ele.
Em seguida, Joesley Batista continua a especular sobre o comportamento de Janot. Neste ponto, é possível depreender que Joesley não tem ideia sobre se o procurador-geral sabia das conversas com Marcelo Miller. Ele estranha que ninguém na procuradoria os tenha procurado oficialmente.
Saud: Por que não foi combinado com a gente?
Joesley: Porque não pode ser combinado. Porque não pode ser combinado. Você não pode entender isso. Eu entendo. Eu não devia tá entendendo. Eu entendo.
Saud: ... que o Marcelo queria...
Joesley: Ninguém tá entendendo. Por isso que eu tô dizendo. A pretensão que eu acho, que eu tenho a pretensão, que eu posso tá completamente errado. Eu tenho a pretensão de achar que eu tô entendendo. Eu acho que eu entendo o que as pessoas acham. Sabe? Em condição normal de pressão e temperatura, eles estão fazendo o que era previsível deles fazerem. Pensa você no lugar deles. Eles são espertão, o que que eles fariam? Toca pressão nesse povo! Mas não mexe com eles. Eu não sei se eu tô... Eu tô falando assim no...
A conversa continua sobre meios para se chegar a Rodrigo Janot. Fica ainda mais claro que foram orientados pelo então procurador Marcelo Miller. Eles comentam que Top, ou seja, o principal, seria o presidente Michel Temer.
Esta conversa foi gravada dez dias após a visita de Joesley Batista ao Palácio do Jaburu em que o empresário gravou o presidente Michel Temer. E continuam se perguntando quem mais na procuradoria sabia que queriam delatar e que material teriam a oferecer.
Saud: Tá certo. Deixa eu te fazer uma pergunta. O Marcelo deu uma tarefa pra nós. E ele quer mais, é isso? Ele já contou pro Janot que a gente tem muito mais pra entregar?
Joesley: Vamos lá.
Saud: Top Temer, top era o Temer.
Joesley: Vamos dar um passo atrás, assim, na minha cabeça, Marcelo é do MPF, ponto. O Marcelo tem linha direta com o Janot. Quando eu falo Janot, é Janot, Pelella...
Saud: Eu te falei... Pelella não, Pelella nem sabe...
Joesley: Não, não. É tudo a mesma coisa, MPF, Janot, Pelella, como é o nome daquele outro?
Saud: Janot, Pelella...
Joesley: Ô, Ricardo, nós somos, nós somos a joia da coroa deles. O Marcelo já descobriu e já falou com o Janot “Ô Janot, nós temos o cara, nós temos o pessoal que vai dar todas as provas que nós precisamos”. Ele já entendeu isso.
Pouco depois, Ricardo Saud propõe a Joesley que eles peçam a Marcelo Miller para levá-los para uma conversa com Janot.
Saud: Que hora que você falou pro Marcelo que você quer falar com o Janot? Você falou com a Fernanda. Você não falou isso, você nunca falou prá ele.
Joesley: Não, nunca falei.
Saud: Então ele tá mentindo. Falou com a Fernanda. Você já falou isso para ele: “Ô Marcelo, vem cá, vamos levar nós dois lá para falar com o Janot”. Você nunca falou isso prá ele. Fala isso para ele terça-feira para você ver.
No trecho a seguir, Ricardo Saud especula que Rodrigo Janot já estaria acertado para advogar no mesmo escritório de Marcelo Miller ao fim de seu mandato na Procuradoria-Geral da República.
Saud: É um amigo em comum, que é dono de escritório, que é onde Janot vai trabalhar junto com... Já entendi agora: o Marcelo saiu antes, tem um outro saindo, que ele me contou, é Cristian? Cristian... Ele tá com uns negócios lá, tal de Cristian não sei o quê. E o Janot não vai concorrer, vai sair, vai vim advogar junto com ele e esse Cristian nesse escritório. Vão ser um escritório único, vai tá ele, esse Cristian e Janot no escritório.
Durante o pronunciamento da segunda-feira (4), Rodrigo Janot afirmou que a procuradoria obteve áudios com conteúdo gravíssimo com referências indevidas ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-Geral da República.
No entanto, na petição em que abre o procedimento de revisão do acordo de delação, Janot diz que há no áudio trechos que indicam a omissão dolosa de crimes praticados pelos colaboradores, terceiros e outras autoridades, inclusive o Supremo Tribunal Federal. Nos áudios divulgados durante a tarde, não há citação a nenhum ministro relacionado a irregularidades, deslizes e muito menos atitudes criminosas.
Mas, em um trecho da conversa, referindo-se a um interlocutor não claramente identificado, Joesley Batista e Ricardo Saud discutem usar Zé Eduardo, o ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff José Eduardo Cardozopara chegar ao Supremo.
Joesley: Ele ficou enlouquecido com Zé Eduardo.
Saud: Ele acha que o Zé Eduardo é o melhor caminho pra chegar no Supremo.
Joesley: Hum?
Saud: O Zé Eduardo é o melhor caminho pra chegar no Supremo.
Joesley: Ele te falou isso? Que que ele te falou?
Joesley diz então que José Eduardo Cardozo entregaria o Supremo Tribunal Federal. Pelo contexto da gravação, depreende-se que eles pretendiam que Cardozo gravasse os ministros do Supremo. Joesley explica o suposto plano. Caberia a ele próprio entregar o Executivo e a José Eduardo Cardozo entregar o Judiciário. Segundo Joesley, a Odebrecht já havia moído o Legislativo.
Joesley: Ricardinho, eles vão dissolver o Supremo. É o seguinte. Ricardinho, eu vou entregar o Executivo e você vai entregar o Zé. E o Zé vai entregar o... Eu pra mim, sabe que que é o... É o seguinte: sabe que que nós tem que fazer com o Zé? Na miúda, eu pra mim, não tem que falar mais nada com o Zé. Eu queria combinar com você o seguinte que eu vou ligar pro Zé, eu direto, falar “Zé, vem aqui, vem. Ô Zé, é o seguinte: você precisa de trabalhar conosco. Ô Zé, nós precisa organizar o Supremo, Zé. Quem nós temos no Supremo?” Isso. E aí semana que vem eu vou chamar o Zé, falar “Zé, nós temos que organizar o Supremo, Zé. A única chance que nós tem de sobreviver é isso. Você tem quem?” “A, B, C, D, E, F”. “Tá. Como é cada um?” “Ah, o A é isso, o B é isso...”
Saud: Como é que é?
Joesley: Lógico, pra... “O A é isso, o B é isso...” “Qual a influência que você tem nesse? E nesse? E esse f de p.... Como é que é? Como é que nós grampeia? Como é que nós?” O Zé vai entregar tudo? Nós vai falar de dois só. Nós só vai entregar o Judiciário e o Executivo, só. Não é muito. O Legislativo já se f... O Legislativo já se... A Odebrecht moeu o Legislativo, nós vamos moer...
O que dizem os citados
O Jornal Nacional apurou que Joesley Batista tentou contratar o ex-ministro José Eduardo Cardozo como advogado, mas a proposta foi recusada. Procurado, o ex-ministro disse que lamenta todo esse episódio, mas que não fará comentário.
Em nota, a procuradoria-geral da república declarou que Rodrigo Janot jamais se encontrou com Joesley Batista e nem recebeu Marcello Miller na condição de advogado do grupo J&F.
A procuradoria disse ainda que as tratativas do acordo de delação premiada com executivos do grupo se deram no fim de março, depois da gravação de Joesley com o presidente Temer.
Sobre o trecho da gravação em que os dois delatores dizem que Janot sabe de tudo, a procuradoria disse que é preciso contextualizar a conversa; que os dois falavam sobre a Operação Carne Fraca, executada pela primeira instância, no Paraná; e que Janot não tem ascendência hierárquica sobre os demais membros do Ministério Público. Disse ainda que Janot só tomou conhecimento da operação pela imprensa.
Por fim, a nota diz que Janot jamais aceitou convite para integrar qualquer escritório de advocacia e que, após o fim do seu mandato, manterá o cargo de subprocurador-geral da República.