Chapecó, cidade elogiada por Bolsonaro no combate à Covid, tem mortalidade maior que a média nacional
Município é o 4º em Santa Catarina com mais casos e o terceiro no número de mortes e precisou transferir pacientes para o ES. Especialistas apontam que restrições foram fundamentais para melhoria no sistema de saúde após colapso.
Chapecó, no Oeste catarinense, se prepara para a visita do presidente da República, prevista para ocorrer na quarta-feira (7). Elogiada por Jair Bolsonaro (sem partido) pelo trabalho de combate ao coronavírus, a cidade, que soma 535 mortos pela doença, estava com 97% dos leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ocupados até a tarde desta terça-feira (6), registrou mortes na fila de espera por leito e chegou a transferir pacientes para o Espírito Santo por falta de vagas.
Com o colapso na saúde e com mais mortos pela doença do que a média nacional (veja mais abaixo), o município de 224 mil habitantes suspendeu as atividades não essenciais por 14 dias no fim de fevereiro. Alguns serviços, como restaurantes e mercados, que puderam ficar abertos tiveram mudanças no horário de funcionamento e redução da capacidade de clientes. Houve também restrição à circulação de pessoas à noite na cidade. Além disso, igrejas, parques e praças foram fechados e a prefeitura disse que ampliou o número de testes de diagnóstico da Covid.
Na segunda-feira (5), Bolsonaro falou sobre a viagem para verificar e mostrar como estava o trabalho em Chapecó. Durante o discurso, ele defendeu o "tratamento precoce" contra o coronavírus, mesmo sem eficácia comprovada, e também a liberdade dos médicos para prescreverem remédios. O presidente atribuiu a melhora da situação na cidade aos esforços dos médicos e elogiou o prefeito.
"Aquele município [Chapecó], com toda a certeza e em mais e em alguns estados também, o médico tem a liberdade total para trabalhar com o paciente, total. E esse é o dever do médico, é uma obrigação e um direito dele. Não tem um remédio específico, ele trata da melhor maneira possível. Por isso, os índices foram lá para baixo", disse.
Nesta terça-feira (6) a cidade também zerou a fila de espera por leito de UTI, segundo o governo do estado. Há em todo estado 200 pessoas esperando por vaga em UTI (veja no vídeo abaixo).
No entanto, especialistas ouvidos pelo G1 apontam que, na verdade, o que ajudou a frear a propagação do vírus nas últimas semanas foram as restrições adotadas pela cidade.
Em 5 de março, a cidade tinha 3,2 mil casos ativos da doença. Na segunda (5), eram 620 pessoas em tratamento, segundo o governo estadual.
"Imediatamente após as medidas já se percebeu uma desaceleração na curva de contágio, sendo que 14 dias depois, houve queda no número de pessoas com a doença ativa. Os efeitos das medidas restritivas foi imediato e é o responsável pela queda na taxa de indivíduos que permanecem com a doença", diz Lauro Mattei, professor de economia e coordenador do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense (Necat) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Apesar da melhora, para o professor da UFSC e também para Paulo Guerra, epidemiologista e professor do curso de Medicina da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), o momento ainda é de muito cuidado.
"A gente está num momento bom, num contexto muito ruim. O que se sucede é uma melhoria dentro de um contexto muito ruim. Esses indicadores de UTI e novos casos explicam isso", afirmou.
O professor defende que as medidas de isolamento e restrições de atividades continuem. Para ele, os efeitos práticos das medidas não são imediatos e, por isso, elas precisam ser mantidas.
A cidade, que foi notícia nacional após o flagrante de um morador que precisou ser transportado pela própria família na carroceria de um carro até o hospital na noite de 22 de fevereiro por causa da demora no atendimento, desativou o Centro de Eventos, aberto nos últimos meses. O local abrigou pacientes graves que não conseguiam vagas nos hospitais da região.
A agenda do presidente Bolsonaro vai incluir o centro e atendimento à Covid da cidade. Ele deve vir ao estado acompanhado do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Essa é a sétima vez que o presidente vem ao estado, sendo que duas foram para descanso durante a pandemia.
Mortalidade em Chapecó e o colapso na saúde
A taxa de mortalidade por 100 mil habitantes da doença no município é de 238,8. O índice é maior do que a média nacional, atualmente em 158,3, e estadual, com média de 158,1, segundo dados do Ministério da Saúde.
Destaque na agroindústria, Chapecó é a quinta cidade mais populosa do estado e a maior da região Oeste. No ranking da doença no estado, o município é o quarto com mais casos, com 31,5 mil já diagnosticados e o terceiro com mais mortes: 535 vítimas até a noite de segunda-feira (5).
Dos 112 leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) dentro do Hospital Regional do Oeste, localizado na cidade, 109 estão ocupados, segundo governo estadual. A taxa de ocupação no local é de 97,32%.
Escalada de mortes na cidade em 2021
O prefeito João Rodrigues assumiu a gestão em janeiro, com a cidade registrando 124 mortes pela doença e ainda com vagas em hospitais. Atualmente, a cidade tem mais de 500 mortes.
"Se tem uma explosão do número de óbitos durante a gestão do atual prefeito e tem uma razão: porque a pandemia estava sem controle", afirmou o professor da UFSC Lauro Mattei.
No começo de fevereiro, o município anunciou aumento de testagem e chegou a fazer "drive-thru" para testar a população, além de abrir leitos no Centro de Eventos da cidade. As restrições vieram depois, com o fechamento de serviços não essenciais entre
23 de fevereiro e 7 de março.
Em 5 de março, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi até a cidade, visitou os hospitais e falou sobre a pandemia e os esforços do governo. A visita, no entanto, não contou com nenhum anúncio ou repasses para a cidade e estado.
Um mês depois, o total de mortes pela Covid-19 somente de 2021 é de 411, o que representa 76% de todas vítimas (tabela abaixo). Em todo estado catarinense são 11,3 mil vidas perdidas para a Covid-19 e 817 mil pessoas diagnosticadas.
Mortes por Covid-19 em Chapecó
Nas últimas semanas a cidade registrou diminuição do número de casos ativos de coronavírus e de pacientes com a doença fila por UTI. O prefeito João Rodrigues (PSD) atribuiu a melhora da situação da pandemia à testagem rápida, tratamento imediato e medidas de restrição e fiscalização.
Entre janeiro de 2021 até a manhã desta terça, foram mais de 55 mil testes feitos na cidade contra a Covid-19. No total, desde o início da pandemia, Chapecó fez 106 testagens.
"Nós testamos rapidamente. Segundo, o tratamento imediato, mas quem prescreve é o médico e não tem receita pronta, é o médico que define. Então, nós tratamos imediatamente todos os pacientes com a testagem rápida que fizemos. Nós não fizemos lockdown em Chapecó, nós fizemos uma paralisação parcial da cidade por 14 dias em fevereiro para montar os equipamentos. Então, tudo tem ajudado", defendeu Rodrigues.
Na cidade catarinense, os médicos possuem autonomia para prescrever os medicamentos como forma de tratamento contra a doença. De janeiro a março deste ano, a prefeitura informou que foram fornecidos 20.471 comprimidos de ivermectina e 78 mil de azitromicina à população. No entanto, até a publicação deste texto não foi informado quantas pessoas foram tratadas com os remédios.
Autoridades sanitárias do país e do mundo já afirmaram que medicamentos voltados ao suposto "tratamento precoce" da doença não possuem comprovação de eficácia por estudos científicos.
O professor da UFSC Lauro Mattei reforça que na cidade as medidas restritivas foram fundamentais para melhoria na situação e não o tratamento precoce.
"A ciência aponta que o tratamento precoce não tem efeito nenhum nesse processo", afirma.
https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/ ... dade.ghtml