Nesta semana de feriado que celebra a Proclamação da República no Brasil acabei me lembrando de quando o povo brasileiro foi consultado sobre se deveríamos continuar com a forma republicana de governo ou voltarmos à monarquia.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a república como forma de governo e o presidencialismo como sistema de governo. Porém, na fase final do processo constituinte os parlamentares incluíram no artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ou seja, na parte complementar ao novo texto constitucional, a previsão da realização de um plebiscito no qual os eleitores deveriam definir “a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo)” que deveria vigorar no País. Um plesbicito é uma consulta popular sobre uma questão geral e, neste caso, depois de alguns ajustes por leis regulamentares, ele ocorreu no dia 21 de abril de 1993.
Curioso que algo tão sério geralmente acontece em momentos críticos, mas, neste caso, embora tenha acontecido pouco tempo depois do processo de impeachment do ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello, em 1992, a consulta popular não tinha nada a ver com a conjuntura política da época. Não havia uma demanda da sociedade e o tema nem aparecia na pauta política da época. Seja como for, o fato é que o plebiscito aconteceu como previsto e teve até uma intensa campanha eleitoral na televisão.
De um lado, um grupo mostrava exemplos de países monarquistas ressaltando o desenvolvimento e os benefícios dessa forma de governo. Com o slogan “Vote no Rei”, defendiam a restauração da monarquia e, consequentemente, o retorno ao poder da família Orleans e Bragança, legítimos descendentes de D. Pedro. Interessante é que se isso acontecesse, teríamos um problema para definir quem seria o rei, pois existiam dois ramos da família, o de Petrópolis e o de Vassouras, que reivindicavam a legitimidade. Era um verdadeiro racha que, segundo consta, prevalece até hoje.
De outro, o grupo republicano também utilizava a estratégia de mostrar as qualidades e o desenvolvimento dos países que seguiam com a forma republicana, enfatizando que o caminho do sucesso não era mudar a forma, mas aprimorar a república brasileira. Este grupo majoritário se dividia em relação aos sistemas de governo, quer dizer, em relação a manter o presidencialismo ou mudar para o parlamentarismo. A Frente Presidencialista era formada pelos principais partidos da época, como PT, PFL, PMDB e PTB, e tinham como slogan o “Diretas Sempre”, uma clara referência ao movimento das Diretas Já.
No sistema presidencialista o presidente da República é, ao mesmo tempo, o chefe de Estado e de governo, quer dizer, a representação e a administração do País são poderes nas mãos de uma mesma pessoa.
Já a Frente Parlamentarista era liderada pelo PSDB com o slogan “Parlamentarismo Já, você só tem a ganhar”, taxando o presidencialismo de sistema corrompido, pouco transparente e que não tinha mais condições de permanecer. O sistema parlamentarista prevê uma divisão dos poderes, sendo que o presidente da República exerce a chefia de Estado e o primeiro-ministro, escolhido entre os parlamentares, fica responsável pela chefia do governo, ou seja, é quem administra de fato o país.
O Brasil tinha na época pouco mais de 67 milhões de eleitores e, com abstenção em torno de 25%, o povo brasileiro foi decidir seu futuro nas urnas. A primeira pergunta da cédula era sobre a forma de governo. Sem surpresa, descontando votos brancos e nulos, o resultado foi 44,2 milhões de votos para a república e 6,8 milhões para a monarquia. Em relação à segunda pergunta, sobre o sistema de governo, o resultado também não surpreendeu. Neste caso, sem contar os brancos e nulos, foram 37 milhões de eleitores escolhendo o presidencialismo enquanto 16,5 milhões optavam pelo parlamentarismo. E, assim, confirmamos a situação inicial estabelecida no texto constitucional de ser uma república presidencialista. Tem coisas que só acontecem no Brasil!
Carlos Ramos é consultor, doutor em ciência política pela Ufscar, professor nas Faculdades Integradas de Jaú e secretário de Desenvolvimento e Trabalho de Jaú.