O ESTADO DE S.PAULO
Antes mesmo de Jair Bolsonaro completar cem dias no Planalto, cresce a percepção de que ele perde a cada dia a condição de ser o indutor e protagonista de verdadeiras transformações estruturais.
Porém, ainda não há terra arrasada. Alguma agenda modernizadora poderá avançar no Congresso, apesar do presidente. “A reforma da Previdência vem passando a cada mandato, cada um faz um pouquinho. Espero que desta vez ela dê um passo maior. Alguma coisa acho que vai passar. O Brasil cresce por cansaço”, resume o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
O papel dos governadores e dos líderes mais experientes de DEM, PSDB, PSD e MDB, egressos de outras gestões, passou a ser crucial na sobrevivência da reforma da Previdência no Congresso.
Empresários que apoiam o governo Bolsonaro lançaram uma ofensiva pela aprovação da reforma da Previdência, cuja articulação foi golpeada nos últimos dias com as trocas de acusações entre o presidente Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia (DEM).
O movimento Brasil 200, formado, entre outros, por Flávio Rocha (Riachuelo), Sebastião Bomfim (Centauro) e João Apolinário (Polishop), partiu para o “corpo a corpo” com congressistas, fazendo com que eles se comprometam por escrito com a aprovação da reforma da Previdência.
Já reuniram a assinatura de 230 deputados e 10 senadores.
O grupo vai abrir um escritório em Brasília e deve participar de discussões na Secretaria da Previdência, a convite do governo.
O Instituto do Desenvolvimento do Varejo (IDV) é outro que trabalha pela reforma e já se reuniu com lideranças partidárias e com ministros.
A estratégia para reforçar o discurso a favor da ‘Nova Previdência’ começa em campanhas nas redes sociais, passa pela pressão sobre deputados e senadores e até por um convite para ocupar uma sala dentro do Ministério da Economia.
Para ampliar o rol de congressistas “aliados”, o Brasil 200 vai abrir um escritório em Brasília. Além disso, segundo o presidente da entidade, Gabriel Rocha Kanner, a Secretaria da Previdência ofereceu um espaço para que o grupo participe da elaboração de ajustes à proposta.
A ideia é formar uma aliança com o governo para troca de informações, tanto sobre adaptações do texto quanto à possibilidade de aprovação, diz Gabriel Kanner, que é sobrinho de Flavio Rocha, da Riachuelo. Procurado, o Ministério da Economia nega a concessão de espaço físico, mas confirma a parceria em dados.
Habituado a tentar influenciar políticas públicas, o Instituto do Desenvolvimento do Varejo (IDV), que reúne grandes empresas nacionais, realizou reuniões sobre a reforma da Previdência com líderes no Congresso e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda em 2018. Agora, a ideia é dobrar a pressão.
O instituto já teve três encontros com o secretário da Previdência, Rogério Marinho, e se prepara para abordar deputados e senadores. “A gente vê que a articulação política é muito importante”, diz Antonio Carlos Pipponzi, presidente do IDV e acionista da Raia Drogasil, referindo-se aos “soluços” na discussão do texto.
Um dos aliados mais aguerridos do governo Bolsonaro, o dono da Havan, Luciano Hang, fará dupla jornada para tentar garantir a reforma da Previdência. Além de ser um dos integrantes do Brasil 200, iniciou nesta semana campanha própria nas redes sociais com o mote “Previdência ou morte”. Para reforçar o argumento, marcou “live” no Twitter – onde tem 245 mil seguidores – para tratar do assunto.
Na relação com Bolsonaro, ao mesmo tempo em que se apresenta como aliado leal do presidente e defensor de projetos como a reforma da Previdência – o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) diz que vai se empenhar para que a bancada federal do PSDB paulista vote a favor do projeto apresentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes – mas tem mantido uma distância regulamentar do presidente Jair Bolsonaro.
Em relação à própria reforma da Previdência, a tese que João Doria tem defendido nas conversas com políticos e empresários é que a mudança da Previdência tem de ser articulada com ou sem o Palácio do Planalto.
“Se o presidente deixar espaços em aberto, serão ocupados. Se o presidente não se aproxima do Rodrigo Maia, o Doria se aproxima. O vácuo na política jamais permanece vácuo. Sempre alguém ocupa”, disse o sociólogo Luiz Bueno, professor da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).
Em entrevista ao Estado, João Doria fala em “tolerância” de ambas as partes. “Tanto o Rodrigo Maia como o Davi Alcolumbre já sabem que eles têm um papel preponderante nesse processo, que é levar adiante a reforma da Previdência, independentemente de lideranças do governo. Sem menosprezar a relação com o governo”, afirmou Doria.
“Depois das rusgas, o presidente Bolsonaro compreendeu que é preciso ter um pouco mais de tolerância nessa relação com o Congresso, sem que isso signifique vilipendiar o seu sentimento. Ele sempre tem dito que não quer o ‘toma lá, dá cá’. Bolsonaro já percebeu que a generalização não é um bom caminho. Às vezes, depois de um choque térmico vem a recomposição em melhores condições.”