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As investigações em curso nos Estados Unidos sobre a corrupção no futebol e denúncias contra a Rede Globo de pagamento de propina para ter direitos de transmissão de jogos de competições como Copa América, Copa Libertadores e Copa Sul-Americana podem romper uma parceria "informal" estabelecida entre a emissora e membros do Ministério Público.
Essa é a avaliação do jornalista Luis Nassif, editor do Jornal GGN.
Em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual, Luis Nassif disse acreditar que a pressão vinda do FBI e dos Ministérios Públicos da Espanha e da Suíça vai tornar impossível uma blindagem da Globo em relação ao escândalo de corrupção no futebol. "Todo o escândalo da Fifa é um escândalo brasileiro, que foi desenvolvido com participação do João Havelange e da Globo", analisa. "Nenhum governo que entre pode conviver com um poder absoluto como o da Globo e a sua capacidade de manipulação. Em algum momento, isso vai explodir."
Quando exatamente começou esse esquema de corrupção envolvendo a participação da Rede Globo ?
A questão da compra de direitos de transmissão começa nos anos 1970. Naquele momento, o presidente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos, antecessora da CBF), João Havelange, descobre um veio grande. As grandes marcas, como a Nike, não tinham ainda descoberto o futebol como um grande veículo de vendas. Então, é provavelmente nos anos de 1970 que começa isso, com a Globo assumindo gradativamente a compra dos direitos de transmissão. O esquema criado por ela era assim : pegava-se um laranja – no caso, o J. Hawilla –, a CBF vendia os direitos, digamos, por 100. Ele pagava 200 e 100 iam para o bolso dos cartolas. Depois, revendia para a Globo por 300, que então revendia as cotas de patrocínio por três vezes esse valor. Esse know how de corrupção chega até a Fifa. Todo o escândalo da Fifa é um escândalo brasileiro, que foi desenvolvido com participação do Havelange e da Globo.
Depois teve o caso da compra dos direitos sem o uso de laranjas, não ?
Essa que foi a bola fora da Globo. Quem levantou tudo isso foi o FBI, no âmbito de uma grande operação destinada a desmontar o monopólio de grupos nacionais sobre o futebol nos diversos países da América Latina e da África.
J. Hawilla foi detido, lá atrás. Então, o Marcelo Campos Pinto, da Globo, compra os direitos diretamente de Ricardo Teixeira, e do pessoal da CBF, sem o uso de um laranja. Aí a Globo se expõe, de forma ampla. O FBI já tinha essa informação, desde 2013, 2014, e as investigações continuavam.
Os Estados Unidos têm uma estratégia global baseada em dispositivo de cooperação internacional, um acordo envolvendo Ministérios Públicos de todos os países no combate à corrupção, que foi criado em 2002, depois dos atentados. Eles criaram um novo departamento para centralizar todas as investigações, inicialmente, contra o terrorismo. Depois, aquilo se expandiu para combater a corrupção.
Conseguiram aprovar, na OCDE, uma legislação maluca, que diz que qualquer ato de corrupção, se envolver o dólar, o local para julgar é nos Estados Unidos. Esse departamento começa a desenvolver uma estratégia em defesa dos interesses econômicos das empresas americanas. Os dois setores que eles passam a investigar são o petróleo e o futebol. Com a internet, os grupos de mídia norte-americanos passam a querer controlar esse mercado bilionário que é o do futebol.
É um caso de corrupção brasileira, envolvendo a CBF, mas que foi descoberta pelo MP da Espanha, quando prendeu o ex-presidente do Barcelona, Sandro Rosell, assecla de Ricardo Teixeira.
O repórter do Estadão Jamil Chade tem feito um belíssimo trabalho que mostra que tudo foi levantado pelo FBI, que alimentou o pessoal da Espanha e da Suíça, porque o Brasil já não respondia mais. Só depois que o caso explodiu na Espanha é que o MP pediu para transferir para cá as investigações. A PGR passou para o Ministério Público do Rio para que investigasse. E tenho todas as dúvidas se isso vai acontecer. Até agora, nada. Totalmente parado.
Essas investigações dos Estados Unidos ficaram mais intensas após perderem a disputa para sediar a Copa do Mundo de 2022 para o Catar.
Não sei se especificamente por isso. Se analisarmos a expansão do capitalismo norte-americano, no pós-guerra, eles entram em praticamente todos os mercados da América Latina, em todos os setores, o que faz parte da estratégia geopolítica e econômica deles. O único setor que não conseguiram entrar foi a mídia. As redes de TV norte-americanas tentaram entrar por aqui, mas, nos países da América Latina, havia de um lado as concessões públicas – a TV aberta – e, por outro lado, legislações nacionais que impediam o controle de capital estrangeiro nos veículos de comunicação.
A única tentativa que ocorreu foi da Globo com o grupo Time Life, que, depois, foi obrigado a devolver a parte que tinha comprado. Teve CPI e um monte de coisas. Não conseguiram entrar.
Quando vem a TV a cabo, começam a romper com isso. Mas aí há uma dispersão de audiência, porque, na TV a cabo, são muitos canais. Quando vem a internet, implode de vez todo esse sistema de defesa desses grupos nacionais, como a Globo e o Clarín.
O grande diferencial deles era o controle sobre o futebol. Na Inglaterra, por exemplo, mesmo os programas de maior audiência não chegam a 5%. Quando entra o futebol, vai a 15%. No Brasil, é a mesma coisa. Toda a estrutura de audiência da Globo repousa nos eventos esportivos. Por isso que a Record entrou na briga para conseguir esses direitos, justamente quando o J. Hawilla caiu fora.
Para os grupos americanos que entraram agora – Disney, ESPN, Fox –, e que estão transmitindo futebol no mundo, o interesse era esse : acabar com esse esquema de máfia, envolvendo grupos de mídia, que garantiam blindagem aos cartolas perante o poder público de cada país. Por que a CBF ficou intocável durante tanto tempo ? Porque a Globo dava retaguarda. Tudo isso veio abaixo agora.
Tem um ponto central, que é o seguinte : é o FBI que está investigando, é o MP da Espanha, da Suíça. Então vai ser impossível para o MP brasileiro segurar por muito tempo.
O MP tem gente séria. Dependendo do procurador, vamos ver o trabalho que vai ser feito. Mas, repito : a pressão para apurar virá de fora, com o FBI, o MP da Espanha e o da Suíça. Vai ser muito difícil jogar para debaixo do tapete.