CHIQUINHA (chegando à vila saltitando e cantando) – Que bonita a pombinha, que voa pequenininha...
Chaves está no chão, pintando um carrinho de caixa de sapato. Ela para com um dos pés dentro da caixa. Ele, que estava virado para a lata de tinta, volta a pintar mecanicamente e lhe suja a meia. (RISOS)
CHAVES – Olha aí o que você fez, sua bobona! Amassou todo o meu Corcel, e agora como eu brinco?
CHIQUINHA – Eu é quem devia estar brava com você, Chaves, por ter me manchado desse jeito! Como espera que eu vá me apresentar nos circulos publícos? (RISOS)
CHAVES – Pois pode muito bem ir pra casa e trocar de meias, mas pra trocar de carrinho eu preciso esperar que vaguem outra caixa e montar tudo de novo.
CHIQUINHA – E pra trocar de meias eu preciso esperar que vaguem outras flanelas e costurar tudo de novo. (RISOS)
CHAVES (levantando-se) – Disse que devia brigar comigo?
CHIQUINHA – Sim.
CHAVES – E não vai?
CHIQUINHA – Não...
CHAVES (com uma feição marota) – Eu sei por que você está de bom humor!
CHIQUINHA – E o que te importa?
CHAVES – Me importa que é sempre assim, você ganha nas suas traquinagens e eu só recebo patadas, patadas e patadas!
Ele chuta o carrinho e se vira para o lado, emburrado. Chiquinha fica um pouco sentida e lhe pega nos ombros, de mansinho.
CHIQUINHA – Chavinho... Chavinho, pra que veja que não sou tão ruim, posso até te dar um doce.
CHAVES (virando-se animado) – E o que eu preciso fazer?
CHIQUINHA – É só adivinhar o que tem aqui no meu bolsinho. Mas só tem uma chance, hein?
CHAVES – Ora, pois é o doce!
Chiquinha estaca, desconcertada. (RISOS) Abaixa a cabeça e começa a fazer hora para despistar.
CHAVES – Não vai me mostrar se acertei?
CHIQUINHA – Vou, mas é que antes...
CHAVES (voltando a ficar emburrado) – Antes vai tentar enganar de novo, como sempre faz!
CHIQUINHA – Não é verdade, pois o que está no meu bolso é outra coisa.
CHAVES – Eu também tenho uma coisa, e é do seu interesse. Escondi lá no outro pátio.
CHIQUINHA – O que é?
CHAVES – Mostre a sua primeiro.
Quico chega na vila com um ioiô. Chiquinha o percebe, mas Chaves não.
CHIQUINHA – É um ioiô muito bonito!
CHAVES – Quero ver ele.
CHIQUINHA – Então vá lá no outro pátio buscar o que você escondeu, e aí mostramos juntos, um para o outro.
Chaves dá de ombros e sai. Chiquinha se aproxima rapidamente de Quico.
CHIQUINHA (tirando o doce do bolso) – Quiquinho maravilhoso, troca seu ioiô por uma bomba?
QUICO (deitando-se escandalosamente no chão) – NÃO, NÃO, POR FAVOR NÃO! Te dou tudo o que quiser, te dou um zilhão de ioiôs, mas não me exploda! (RISOS)
CHIQUINHA (pondo a mão na testa) – Uma bomba de comer, bestão. Dessas com massa e recheio.
QUICO (erguendo-se sem graça) – Ah, bom... Quem poderia pensar outra coisa, não é? (RISOS) Não troco.
CHIQUINHA – Mas por quê?
QUICO – De que sabor é?
CHIQUINHA – De limão.
QUICO – Argh! Não gosto dos cítricos tão cítricos... (RISOS)
CHIQUINHA – Então pode ir na venda e mudar por outra.
QUICO – Ainda assim me nego. A bomba acaba com três ou quatro mordidas, o ioiô não. Se quiser, experimenta só! (RISOS)
CHIQUINHA – Mas não quero dado, só emprestado. Você vai sair ganhando.
QUICO – Também não vai me dar a bomba só emprestada?
CHIQUINHA – Bom... Não mais.
QUICO – Então tááá legal! Hi, hi, hi!
Ele entrega o ioiô à ela, recebe a bomba e sai contente. No portal, cruza com o Professor Girafales, que vem entrando.
QUICO – Boa tarde, papi. Digo, boa tarde, querido professor! (RISOS)
PROFESSOR GIRAFALES – Boa tarde, Quico.
QUICO – Minha mamãe não está.
PROFESSOR GIRAFALES – De qualquer modo, hoje não vim ver sua mãe.
QUICO – De qualquer modo, ela vai ficar sabendo disso quando voltar. (RISOS)
PROFESSOR GIRAFALES – Quis dizer que vim apenas consultar uma de minhas alunas.
QUICO – Quis dizer que não há nada para ela ficar sabendo. Com licencinha! (RISOS)
Quico sai, o professor se dirige até Chiquinha.
PROFESSOR GIRAFALES – Boa tarde, Chiquinha.
CHIQUINHA – Boa tarde, Mestre Linguiça. Digo, boa tarde, querido professor! (RISOS)
PROFESSOR GIRAFALES (zangando um pouco a voz) – Venho avisar que sua prova de matemática não foi encontrada de maneira nenhuma. E como fui eu quem perdi, sou obrigado a deixar a nota máxima no boletim. Seu pai está?
CHAVES (chegando do segundo pátio) – Ele já sabe que ela tirou dez, até deu dinheiro pra que comprasse um doce. Só não sabe que foi por prova perdida! (RISOS)
PROFESSOR GIRAFALES – Boa tarde, Chaves.
CHAVES – Boa tarde, vareta de marmelo. Digo, boa tarde, querido professor! (RISOS)
PROFESSOR GIRAFALES – Tá, tá, tá, tá, tá! Quer dizer que a Chiquinha joga com muita astúcia, hein?
CHIQUINHA – E como ficou sabendo disso?
CHAVES – Eu vi como quem não quer nada... (RISOS)
CHIQUINHA – Pois é trapaceiro, já que sabia a resposta do jogo do bolsinho.
CHAVES – Você é mais ainda, disse que era um ioiô!
CHIQUINHA (tirando o ioiô do bolso) – Aqui está, para provar que não era trapaça, aqui está!
CHAVES – Esse ioiô? É idêntico ao que o Quico comprou ainda agora na lojinha nova.
CHIQUINHA – E como ficou sabendo disso também?
CHAVES – Eu vi como quem não quer nada... (RISOS)
CHIQUINHA – Digo que é meu e muito meu, porque comprei com o dinheiro que seria para o doce. E pra nunca mais andar falando por aí que sou má nem mentirosa, te dou de presente.
QUICO (voltando) – Aqui está sua bomba, Chiquinha. Na venda não tinha de outro sabor. Onde está meu ioiô? (RISOS)
CHIQUINHA – Não acreditaria, Quico! Joguei tão alto que ele se perdeu no teto. Pois é, pois é, pois é.
QUICO – E o que está aí na mão do Chaves?
CHIQUINHA – Ah, esse é dele mesmo.
CHAVES (oferecendo o ioiô) – Toma, Quico. Bons amigos ajudam.
QUICO (oferecendo a bomba) – Toma, Chaves. Bons amigos ajudam.
Ambos se abraçam e vão saindo, um com o braço no ombro do outro, quando Chiquinha os intercepta.
CHIQUINHA – Espere, Chaves. E o que você disse que era do meu interesse, que estava escondido no outro pátio?
CHAVES (tirando um papel do bolso) – Aqui está. É a sua prova de matemática. (RISOS)
PROFESSOR GIRAFALES (correndo espantado para ele e tomando o papel nas mãos) – Chaves! Onde estava?
CHAVES – O senhor deixou cair perto do portão no fim do recreio. Eu vi como quem não quer nada... (RISOS)
PROFESSOR GIRAFALES (tirando uma caneta do bolso e olhando para Chiquinha, que está muito assustada) – Parece que eu finalmente vou poder corrigi-la, hein?
Há uma transição de cena. Girafales está sentado no último degrau da escada, sustentando a prova nos joelhos. Chiquinha, ainda preocupada, está apoiada no corrimão.
PROFESSOR GIRAFALES (levantando-se e pondo o chapéu) – Inacreditavelmente, Chiquinha, ainda assim você tirou a nota máxima. Meus parabéns (aperta a mão da menina, que fica admirada). Bem, não há mais nada para eu fazer aqui. Até amanhã, na escola.
Ele se retira e Chiquinha fica parada feito boba, sorrindo. Chaves chega devagarinho.
CHAVES – Me agradeça por não contar que você colou escondendo o livro embaixo da carteira. Bons amigos ajudam. (dá meia volta, mas se vira novamente, piscando) Eu vi como quem não quer nada... (RISOS)